Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço que procedam à análise sintática da frase «ficaram conhecidos pelo mundo».

Grata.

Resposta:

A construção formada por ficar + particípio passado define um tipo de frase ou oração passiva que não é mencionado pelo Dicionário Terminológico, mas que tem sido descrito por diferentes gramáticos.

Assim:

– Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 396), referem o verbo ficar como verbo auxiliar da «passiva denotadora da mudança de estado»;

– na Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 440-444), considera-se que ficar + particípio passado marca a predicação associada a uma «oração passiva resultativa» (p. 440).

Pergunta:

A palavra distópico existe? É que eu li a sinopse do livro Divergente, de Veronica Roth, onde dizia que a história se passava num lugar "distópico". Fui procurar essa palavra no dicionário mas não a encontrei, por isso fiquei na dúvida.

Agradeço antecipadamente a todos os que tiverem a amabilidade de me responder.

Resposta:

A palavra distópico está registada em dicionários como adjetivo que diz respeito ao substantivo distopia (cf. Dicionário Houaiss e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), o qual pode ser definido de duas formas:

– na medicina, como «posição anómala de um órgão» (Dicionário Houaiss);

– nos estudos literários, é sinónimo de antiutopia, palavra que o dicionário da Porto Editora (na Infopédia) define como «representação ou descrição de uma sociedade futura caracterizada por condições de vida alienantes ou extremas, que tem como objetivo criticar tendências da sociedade atual, ou alertar para os perigos de determinadas utopias».

Refira-se que as literaturas do século XX ficaram marcadas por vários romances distópicos, como Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, de George Orwell (1903-1950), e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1920-2012). Para saber mais sobre a distopia enquanto perspetiva literária, leia-se também o artigo distopia do E-Dicionário de Termos Literários). Assinale-se ainda que, neste âmbito, a significação do termo distopia terá surgido por influência do inglês dystopia, cujos constituintes...

Pergunta:

O Código de Redação Interinstitucional da UE estabelece que, quando se usa o símbolo do euro (€), este deve vir à direita do valor e com espaço:

Ex.: 30 €

A minha dúvida persiste, após profunda pesquisa (e sem resultar em nenhuma conclusão fidedigna), em relação ao símbolo do dólar. Quando usado num texto português, devemos posicioná-lo também à direita (e com espaço), como instituído para o euro?

Ou seja: 30 $

Ou devemos usar a regra do inglês e posicioná-lo à esquerda ($ 30)?

Obrigada.

Resposta:

Não conheço prática generalizada ou já consagrada para a posição do símbolo da moeda norte-americana. No entanto, em português, afigura-se razoável que tal símbolo apareça na mesma posição que o do euro, ou seja, à direita do valor, generalizando o critério definido pelo Código de Redação Interinstitucional para o euro. É este, de resto, o procedimento previsto por um guia de estilo do Centro de Informação Europeia Jacques Delors, que parece determinar (p. 17) que a representação das moedas siga a do euro: ou seja, se o símbolo € ocorre à direita do valor, com espaço, então o símbolo $ também deve figurar assim: 30 $ (ou 30 USD, para usar o código ISO).

Pergunta:

1) Existem ou, pelos sufixos -ista e -ico, são aceitáveis as palavras "esnobista" e "blasfêmico"? Encontro-as nas edições de A Cinza do Purgatório: ensaios, do austro-brasileiro Otto Maria Carpeaux:

a) «Ao mesmo tempo, [Hugo von Hofmannsthal] ocupa-se em refazer La vida es sueño, de Calderón: que anacronismos, estes enfadonhos arranjos, seguindo a moda **esnobista** do barroquismo! ― dizem os literatos.»

b) «O homem, em Kafka, não vê na sua miséria a conseqüência da sua condição humana. Revolta-se. Acusa Deus, como Ivan Karamazov. A face de Deus, em sua obra, adquire traços **blasfêmicos**.»

2) Se existente ou aceitável, poderia dizer que "esnobista" é "neologismo", ou então, hipérbole de esnobe? Que poderia dizer?

Grato pela ajuda.

Resposta:

O problema de "esnobista" e "blasfémico" reside no facto de já existirem adjetivos sinónimos, que partilham o mesmo radical (esnob- e blasfem-) e que têm uso atestado, com registo dicionarístico abundante. Com efeito, os dicionários consultados (Houaiss, Caldas Aulete em linha, Porto Editora na Infopédia, Priberam) não registam "esnobista" nem "blasfémico", antes acolhendo os seguintes itens: snob (mantendo a  grafia inglesa no Brasil e em Portugal), esnobe (no Brasil) ou snobe (em Portugal); blasfemo e blasfematório.

Pergunta:

Pode-se usar a palavra entretido neste sentido: «O futebol é uma atividade entretida...»?

Resposta:

Em português, não costuma usar-se entretido em referência àquilo que entretém, mas, sim, a respeito de quem se entretém. Note-se que, em espanhol, se usa entretenido, forma que corresponde a entretido, e à qual se atribui o significado de «divertido». É possível que o caso que o consulente apresenta tenha origem no uso espanhol.