Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quero saber se está correta essa regência do verbo pedir: «Eu não pedi por comida.»

Abraço.

Resposta:

Em português, o verbo pedir é transitivo direto e indireto: «pedir alguma coisa a alguém». Por outras palavras, a coisa pedida tem a função de complemento direto e ocorre na frase sem preposição; portanto, a forma correta é «eu não pedi comida». A preposição por só se associa a pedir, quando se pretende dizer que a ação de pedir é feita a favor de alguém como em 1.

1. «Pedi comida pelos meus filhos.»

O complemento introduzido por por também pode dizer respeito àquilo que motiva o pedido, que não é o mesmo que a coisa pedida (cf. Dicionário Houaiss):

2. «Pediu uma exorbitância pelo apartamento.»

3. «Pediu perdão pelos pecados cometidos.»

Pergunta:

Diz-se «Vossa Excelência é esperta...», ou «Vossa Excelência é esperto...»?

Obrigado.

Resposta:

A concordância dos adjetivos é feita em função do interlocutor (fala-se em silepse): a uma mulher dir-se-á «Vossa Excelência é esperta»; a um homem, «Vossa Excelência é esperto». Esta regra é extensível à forma de referência «Sua Excelência»:

«É de observar [...] que, se o sujeito é "Vossa" ou "Sua Excelência", o adjetivo concorda com a pessoa a quem se dá semelhante tratamento: "Vossa Excelência está incomodado" (com referência a homem). "Sua Excelência é muito bondoso." É a chamada concordância latente» (Vasco Botelho de Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958, reedição de 2012, pág. 1127).

Pergunta:

Gostaria de saber se longevo se pronuncia com o e aberto (é), fechado (ê) ou átono (e), como em de?

Também vos perguntava se existe algum dicionário de português com a componente áudio onde se possa ouvir a pronúncia das palavras?

Obrigado.

Resposta:

Para o adjetivo longevo, que significa «que dura muito; muito velho» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), a pronúncia mais tradicional em Portugal é com e aberto, mas existe a que tem e fechado ("ê"), sem constituir erro claro. Embora o Dicionário Priberam, que diz respeito ao português de Portugal, registe em indicação ortoépica que a palavra pode ter o e aberto ou fechado, um outro dicionário destinado ao público português – o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora – e o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), do ILTEC, transcrevem a palavra com "ê" (fechado). A palabra não pode é apresentar o e mudo típico do português europeu, porque esta vogal apenas ocorre em sílaba átona.

Por seu lado, os dicionários elaborados no Brasil indicam que longevo tem e aberto (cf. Dicionário Houaiss, Aurélio XXI e Dicionário UNESP do Português Contemporâneo). Mas Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003) considera que a pronúncia varia, apesar de a tradição prescrever o e aberto.

Em suma, não são convergentes os juízos normativos sobre esta palavra, cujo uso, de resto, parece confinado aos registos formal e literário.

Quanto a dicionários de português com ficheiros áudio, ainda se aguarda o seu aparecimento. No entanto, há dicionários com transcrição fonética, por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (que não regista longevo) e o Grande Dicionário da Língua Portugue...

Pergunta:

Quando fazemos a contagem das sílabas métricas, contam-se as sílabas até à sílaba tónica. Correto?

Se tivermos num verso a palavra esdrúxula, como se faz a contagem das sílabas métricas ou gramaticais?

Resposta:

Conta-se sempre até à sílaba tónica da última palavra do verso, o que significa que não se contam as duas últimas sílabas das palavras esdrúxulas (ou seja, proparoxítonas), já que são átonas. Veja-se o seguinte exemplo, que tem dez sílabas (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 667):

Sob/ a/ for/ma/ de/ mí/ni/mas/ ca/mân/dulas

Neste verso, não se contam as duas últimas silabas da última palavra, camândulas1, que é esdrúxula.

1Ou camáldulas, «ramal de contas de rezar, grossas ou bugalhos» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Aprendi, numa época em que não se passava da 4.ª classe se não se escrevesse e falasse correctamente português, que apelidos, títulos e dinastias não têm plural.

Vem isto a propósito da exposição recentemente inaugurada no MNAA, «Os Sabóias». Quero crer que o correcto seria «Os Sabóia», tal como se deve dizer «os Távora», «os Silva», etc.

Gostaria de ser informado se tenho ou não razão.

Muito obrigado desde já.

Resposta:

Não parece haver consenso quanto ao uso do plural neste caso.

A recente Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 2013, p. 1013), recomenda que os apelidos fiquem no singular quando se referem «a família como um grupo»:

«[Nos] contextos de pluralização, é de regra o apelido ocorrer no singular, sobretudo se é composto de mais de um nome (cf. [...] os Cerqueira da Mota, os Saraiva Lobo, os Paiva Raposo, os Melo, os Brito, os Bragança), embora possa ocorrer também no plural, quando é composto por um único nome [...] (cf. [...] os Silvas, os Costas, os Coelhos); o uso plural é, no entanto, menos frequente e considerado não normativo [...].»

Refira-se, contudo, que, ao contrário do afirmado nesta citação, já se considerou que, do ponto de vista normativo, era correto empregar os apelidos no plural (pelo menos, os constituídos por um único nome). Por exemplo, Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (2012 [1958], vol. I, pág. 189), observa o seguinte:

«[...] [E]m nossa linguagem cai em galicismo quem seguir semelhante prática [a do singular em contexto plural], escrevendo, v. g.: «As irmãs Primavera, os irmãos Montenegro, etc. Correcção: Primaveras, Montenegros, etc.»

O mesmo preceito é enuncia...