Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a regra ortográfica que aplico ao escrever subir? Porque não é "sobir"?

Muito obrigada.

Resposta:

O critério é etimológico e morfológico.

Como se verifica na grafia da maior parte da flexão, a vogal do radical – sub- – é u, e não o. E tal como ocorre com fugir, apenas a 2.ª pessoa do singular (sobes, foges) e as 3.as pessoas do singular e plural (sobe/sobem, foge/fogem) alteram a vogal no presente do indicativo, «provavelmente por analogia com os verbos em que se verifica abaixamento [da vogal do radical]» (M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 1027, n. 55). Ou seja, subir e fugir têm uma flexão semelhante à de verbos como ferir e dormir, nos quais a 1.ª pessoa do indicativo tem as formas firo e durmo (i e u são chamadas vogais altas), enquanto o radical das restantes pessoas verbais tem e e o (são vogais baixas): feres, fere, ferem; dormes, dorme, dormem.

Não obstante poder considerar-se que subir e fugir evoluíram na língua portuguesa de tal maneira, que acabaram por tornar-se semelhantes a dormir e fugir, dando bons argumentos para defender a grafia "sobir" e "fogir", há razões que levam a ortografia a rejeitar tais formas. Em primeiro lugar, os verbos remontam a formas latinas que têm u no radical – subĕo, is, īvi ou ĭi, ĭum, īre, «pôr-se ou vir debaixo de algo, ir-se aproximando de um lugar alto vindo de baixo», e <...

Pergunta:

As frases: «moro em Jaçanã» ou «moro no Jaçanã». Qual está correta? E por quê?

Resposta:

No Brasil, têm a mesma forma dois topónimos diferentes:

a) um bairro da cidade de São Paulo que é conhecido como «o Jaçanã» («o bairro do Jaçanã»): «Museu do Jaçanã»;

b) no estado do Rio Grande do Norte, uma localidade cujo nome se usa sem artigo definido: «Prefeitura municipal de Jaçanã».

Não pude saber como se explica o caso em b), o qual suscita alguma surpresa, quando se pensa que Jaçanã talvez tenha origem num nome comum concreto, jaçanã, «ave caradriiforme, paludícola, da fam. dos jacanídeos (Jacana jacana), com ampla distribuição na América tropical cisandina» (Dicionário Houaiss), facto que legitimaria o uso do artigo definido. Contudo, no caso do bairro do Jaçanã referido em a), o nome ocorre como esperado: «o Jaçanã», logo, «moro no Jaçanã» – basta confirmar em jornais como a Folha de S. Paulo ou O Estado de S. Paulo, que escrevem sistematicamente «o Jaçanã», quando o topónimo é mencionado num enunciado completo. Este aspeto leva, portanto, a encarar como não aceitável ou estranha uma frase «moro em Jaçanã», não obstante ser ela bem audível na popular canção Trem das Onze (1964), de Adoniran Barbosa (1910-1982). Sobre tal particularidade, assinale-se (e ouça-se) o que

Pergunta:

Ficará mais correto dizer-se «praia de Pedrógão», ou «praia do Pedrógão»?

Obrigada.

Resposta:

Apesar da variação, tem artigo definido o Pedrógão que refere a praia situada no concelho de Leiria – é mesmo o uso adotado pela Câmara Municipal de Leiria: «praia do Pedrógão». Observe-se, porém, que o topónimo Pedrógão também ocorre no distrito em apreço – neste caso, o topónimo não tem artigo definido: «município/freguesia de Pedrógão Grande». O mesmo acontece com Pedrógão Pequeno, no concelho da Sertã (distrito de Castelo Branco): «Junta de Freguesia de Pedrógão Pequeno».

Pergunta:

No supermercado, por exemplo, ouço ou vejo escrito redfish (às vezes, red-fish, e "red fish" não me parece grafia correta para designar a espécie...). Ora, que eu saiba, há vários anos, só lhe ouvia chamar "peixe-vermelho". Gostaria de lhes perguntar: não será este o nome correto, em português, da "espécie zoológica"? Não está errado usar o anglicismo?

Resposta:

Peixe-vermelho é uma tradução literal de redfish, termo que em inglês se aplica geralmente ao Sebastes marinus (cf. Oxford English Dictionary em linha). Note-se, porém, que em Portugal o nome tradicional desta espécie (ou um deles) é cantarilho.

É sempre preferível empregar uma forma portuguesa, mesmo que se trate de uma tradução ou, em último caso, de uma adaptação fonética (mas, neste caso, terá de haver a intervenção de entidades que possam definir critérios de adaptação, de modo a evitar a proliferação de variantes). Havendo nome tradicional, é melhor usá-lo – muito embora pareça que as grandes empresas abastecedoras do ramo alimentar nem sempre dão a devida atenção a este aspeto.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correcta – «as Balcãs», ou «os Balcãs» –, se ambas são aceitáveis e, se o forem, se há alguma forma preferencial e porquê.

Grata pela atenção!

Resposta:

A palavra é do género masculino em alusão a montes: «montes Balcãs». Daqui surgiu a denominação da península: «a península dos Balcãs». Existe também a variante Bálcãs, usada no Brasil (cf. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, 2004, s. v. balcânico; consultar Folha de S. Paulo). Segundo o Dicionário Houaiss (s. v. balcanizar), «o nome Bálcãs deriva de vocábulo turco com significado de "montanha"; designa a região dos Alpes Dináricos e da Transilvânia e as cadeias dos Cárpatos, que constituem relevo atormentado; a região prolonga-se na península balcânica, situada entre o mar Adriático, a oeste, o mar Egeu e o mar Negro, a leste, subdividida em numerosos Estados e países: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Albânia, Grécia e Turquia; no decurso da história, inúmeros exércitos invasores passaram pelos seus desfiladeiros, diversos povos perseguidos refugiaram-se nas suas montanhas; por isso os Bálcãs são fracionados em tantos países e abrigam etnias, línguas e religiões diferentes; a acepção pejorativa do verbo balcanizar reflete essa fragmentação histórica dos Bálcãs, caracterizando-os como área de constante conflito e permanente instabilidade [...]».