Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
432K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Porquê a comparação entre a palavra picareta (instrumento de cavar) e picareta (pessoa desonesta)?

Que semelhança há entre as duas picaretas.

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um uso figurado da palavra picareta, «instrumento para cavar», através do qual se compara uma pessoa desonesta e aproveitadora como uma picareta que escava incessantemente.

Pergunta:

Qual a preposição (se for o caso) que deve reger o verbo correlatar/correlatar-se na seguinte frase: 

«A causa da morte correlata [?] uma paragem cardíaca.»

Resposta:

Nas fontes consultadas – dicionário da Acadmeia das Ciências de Lisboa, Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, de J. Malaca Casteleiro (Texto Editora, 2007), e Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes –, o verbo correlatar é registado de duas maneiras:

a) alguém correlata uma coisa x e um coisa y/duas (ou mais) coisas – ou seja, o verbo é transitivo direto;

b) uma coisa x e uma coisa y/duas coisas correlatam-se – o mesmo é dizer que o verbo se usa reflexivamente.

Além disso, provavelmente pela equivalência semântica com correlacionar («manter correlação com alguma coisa»), correlatar também tem sido usado com a preposição com («alguma coisa correlata com alguma coisa»):

«Com efeito, é impossível que eu não tenha publicado algum dia, em alguma parte, um outro folheto sobre qualquer matéria mais ou menos correlata com os atuais projetos.» (Machado de Assis, Balas de Estado, in Corpus do Português)

Sendo assim, a frase em questão terá como formulações mais corretas:

«A causa da morte e uma paragem cardíaca correlatam-se.»

«A causa da morte correlata com uma paragem cardíaca.»

Pergunta:

Afastar significa «ir para lá». Sendo assim, é incorrecto dizer «Afasta lá»? Seria preferível dizer: «Afasta...»?

Resposta:

A rigor, afastar e afastar-se significam, respetivamente, «distanciar (alguém ou alguma coisa)» e «distanciar-se (de alguém/alguma coisa)».

Pode dizer-se «afasta-te lá» ou «afasta lá a mão», mas, nestes exemplos, o advérbio não tem valor espacial, é antes uma partícula de realce no discurso.

Noutros casos, o verbo usa-se transitiva (exemplo 1) ou pronominalmente (exemplo 2), podendo, neste último caso, ter ainda associado um complemento oblíquo (exemplo 3):

(1) «Ele afastou a mão.»

(2) «Ele afastou-se.»

(3) «Ele afastou-se dela/da porta.»

Pergunta:

É legítima a palavra estapafurdice, que não encontro dicionarizada, para me referir a coisas/cenas estapafúrdias?...

("Saiu-me" espontaneamente numa conversação.)

Obrigado.

Resposta:

A palavra é legítima – do adjetivo estafúrdio, «bizarro, disparatado», forma-se estafurdice, tal como de doido deriva doidice – e está registada, pelo menos, no Dicionário Houaiss, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora.

Pergunta:

Qual a grafia que devemos usar em português para a capital da República da Estónia? Se em estónico, se escreve Tallinn, em português encontro grafias aportuguesadas (Talim e Taline) ou parcialmente aportuguesadas (Talin).

Resposta:

Não há, por enquanto, consenso quanto à forma a adotar por este topónimo em português. Taline é, de facto, a forma registada pelo Código de Redação Interinstitucional, que segue assim a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (s. v. Taline e Reval).¹ Contudo, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (versão  impressa, de 2009), regista Talim e Talin, formas presumivelmente registadas como variantes do mesmo nome. Refira-se que, destas duas, é Talim a que está conforme os padrões ortográficos do português.

¹ Reval é outro nome dado à cidade em apreço, sobretudo quando o território da Estónia se encontrava sob a influência política ou comercial da Alemanha e dos países nórdicos. Reval foi nome usado até à Segunda Guerra Mundial. Xavier Fernandes Fernandes, em Topónimos e Gentílicos (vol. I, Editora Educação Nacional, Porto, 1941, pág. 172), escreve Revel, uma forma russa; de notar que também regista o nome atual sob a forma Talin.