Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Embora, pelo que vi, ainda não esteja dicionarizado, gostaria de saber se o vocábulo «hematosudorese» ou «hemosudorese pode ser um sinónimo do termo hematidrose, isto é, do acto de suar sangue, como aconteceu com Jesus (cfr. Lc 22, 44). 

Muito obrigado.

Resposta:

Hematidrose é a «excreção de suor sanguinolento por efeito de hemorragia das glândulas sudoríparas» (Dicionário Houaiss; cf. também Dicionário de Termos Médicos, na Infopédia). Tem origem em dois elementos de origem grega: hemato-, do grego haîma, atos, «sangue», e -hidrose, do «latim científico hidrosis, calcado no grego hídrōsis, eōs, ê ´transpiração`» (Houaiss).  Não sendo impossível formar "hemossudorese" ou "hematossudorese" – nos quais sudorese significa «secreção de suor; transpiração», do latim centífico sudoresis (idem) –, acontece que a palavra é, etimologicamente, um híbrido e, como tal, menos valorizado ou menos aconselhável do que hematidrose, que apresenta apenas radicais provenientes de uma mesma língua, o grego (mesmo que transmitidos por intermédio do latim numa modalidade científica e mais recente).

Pergunta:

«Apague o cigarro antes que ele te apague a te.»

O acréscimo do "a te" não torna a frase agramatical?

Resposta:

Depois da preposição a, ocorre o pronome ti. Deve, portanto, dizer «a ti», e não «a te». Além disso, se a frase começa por um imperativo de 3.ª pessoa («apague») isso significa que a forma de tratamento usada é a de 3.ª pessoa.

Sendo assim, a frase mais correta, pelo menos, no português europeu, é a seguinte:

«Apague o cigarro antes que ele o apague a si.»

Uma alternativa em português do Brasil poderá ser:

«Apague o cigarro antes que ele apague você.»

Pergunta:

Por vezes tenho algumas dúvidas relativamente à formação de palavras. Gostaria de colocar dois exemplos para os quais necessito de esclarecimento: esverdeado e ajardinar (uma vez que existe jardinar). Derivação por prefixação, ou sufixação, ou derivação por parassíntese?

Resposta:

O adjetivo esverdeado, que pressupõe um verbo esverdear (trata-se, na origem, de um adjetivo participial), é um derivado parassintético, uma vez que a junção de prefixo e sufixo é feita simultaneamente: es + verde + ar > esverdear, esverdeado. Não obstante, assinale-se que está dicionarizada a forma verdear; mesmo assim, considera-se que isso não é motivo suficiente para se considerar que esverdear seja uma palavra prefixada, pelo que se aceita que verdear é antes uma variante com o mesmo significado. O mesmo se pode dizer do par jardinar/ajardinar. Observe-se, no entanto, que se trata de casos problemáticos que, em contexto escolar, podem ter valor exploratório nos anos avançados, sem serem objeto de avaliação.

Pergunta:

Estou fazendo um trabalho de tradução comparada na faculdade, e deparei-me com a seguinte passagem: «... and she confronted the nurse about the missing checks and the unexplained charges to her bank account.» [Esta foi] traduzida da seguinte forma: «... e confrontou a enfermeira sobre os cheques desaparecidos e os saques injustificados em sua conta-corrente.» A meu ver, em português, o verbo confrontar não condiz com a oração, ainda mais sendo usado com a preposição sobre. Porém, não estou bem certa sobre qual seria o verbo e/ou a preposição adequada.

Grata pela ajuda.

Resposta:

O verbo confrontar rege a preposição com e, na aceção de  «ver-se obrigado a lidar com uma situação indesejável por não a poder evitar; fazer frente a uma tarefa, um problema, uma dificuldade» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), usa-se com o pronome se (confrontar-se) ou admite uma construção de caráter passivo (ex.: «nunca antes se vira confrontado com tal problema», idem). Este uso parece pressupor a possibilidade de o verbo ocorrer na voz ativa («alguém confronta alguém com algumas coisa»), assim legitimando as seguintes frases:  «...confrontou a enfermeira com o desaparecimento de cheques e dos saques...» ou  «...confrontou a enfermeira com o facto de haver cheques desaparecidos e saques injustificados [ou: inexplicados] na sua conta bancária».

Contudo, há quem sustente que o emprego de confrontar em tais frases reflete a simples transposição semântica do inglês to confront e não é de recomendar, pelo que, em seu lugar, devem ser usados outros verbos, com outras construções: «...e interrogou a enfermeira/pediu satisfações/explicações à enfermeira sobre os cheques desaparecidos e os saques injustificados em/na sua conta corrente» (exemplos do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).

Pergunta:

Poderia me ajudar com uma dúvida que há dias me atormenta, e não encontro resposta em lugar nenhum? A forma correta de se dizer é: «O funcionário está "ciente de que" não há resposta da solicitação», ou «..."ciente que"...»? Poderia me explicar gramaticamente? Trabalho com esta frase diariamente e, na minha opinião, o correto é "ciente de que", mas não estou certa e não consigo resposta em nenhum livro ou site

Muito obrigada!

Resposta:

O adjetivo ciente é usado com a preposição de, logo, quando seleciona uma oração completiva introduzida pela conjunção que, deve vir acompanhado da referida preposição; p. ex.: «ele está ciente de que aconteceu qualquer coisa.»