Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «a vida seria a preto e branco», as palavras preto e branco poderão ser consideradas como adjetivos?

Resposta:

Não é necessário analisar a locução «a preto e branco», mas, no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, esta encontra-se registada como subentrada de preto, substantivo masculino, e não de preto, adjetivo. Conclui-se, portanto, que na expressão em causa as palavras preto e branco ocorrem como substantivos. Refira-se que «a preto e branco», embora seja locução classificada como adverbial, se usa com valor adjetival: «Vi um filme a preto e branco.»

1 No Português do Brasil, a locução apresenta a preposição em, «em preto e branco»: «Havia centenas de fotos em cores e em preto e branco.» (Luiz Alfredo Gracia-Roza, O Silêncio da Chuva, 1996, in Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira; cf. também exemplo no Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, 2004: «Se se optar por impressões em preto e branco, o equipamento imprime rapidamente.»

Pergunta:

Qual é diferença entre saudar e cumprimentar?

Resposta:

Os verbos em questão são muitas vezes sinónimos, podendo ocorrer em contextos idênticos:

1) «Ao final do encontro, todos se saudaram.» (Dicionário Houaiss)

2) «Ao final do encontro, todos se cumprimentaram.»

A diferença entre 1) e 2) é mínima, muito embora em 2) o uso de cumprimentar possa referir especificamente gestos e fórmulas que, num encontro, trocam entre si duas ou mais pessoas (aperto de mão, beijos na face, fórmulas de saudação).

No entanto, há contextos em que saudar pode ser sinónimo de ovacionar, aclamar, louvar, enquanto cumprimentar não é aí aceitável, como em 3) (cumprimenta-se um rei talvez com uma vénia, mas não com foguetes) ou se torna mesmo impossível (não se cumprimentam abstrações):

3) «Saudavam/?cumprimentavam o rei com vivas e foguetes.»

4) «A maioria da população saudou/*cumprimentou a implantação do regime democrático.»

Pergunta:

Gostaria que me confirmassem se a palavra rosa-dos-ventos se escreve atualmente sem hífenes.

Agradeço a atenção.

Resposta:

A palavra em questão escreve-se atualmente sem hífenes: rosa dos ventos («figura circular colocada no quadrante de uma bússola ou de uma carta marítima, e na qual estão desenhados trinta e dois raios, correspondentes à direção dos diferentes ventos, e que indica os pontos cardeais, colaterais e subcolaterais», dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Assim se encontra escrita a palavra no vocabulários ortográficos que adotam o Acordo Ortográfico de 1990 (Base XV, 6), a saber, Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC (Instituto de Linguística Teórica e Computacional), Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (versão da Infopédia), Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras.

Pergunta:

Gostaria de saber se o determinante possessivos meus está na 1.ª pessoa do singular ou 1.ª pessoa do plural. Por exemplo, na frase «os meus carros», o determinante meus concorda com o nome tanto no género como em número. Sendo assim, é um determinante possessivo de 1.ª pessoa do singular, ou 1.ª pessoa do plural?

Obrigada.

Resposta:

O determinante em questão está no plural pela regra de concordância, visto que o nome a que se associa, no caso, «carros», é o plural de carro. Mas meu é sempre um determinante que se relaciona com pronomes e formas verbais na 1.ª pessoa do singular (eu, tenho). Por outras palavras, uma coisa é a concordância do determinante possessivo com um nome («os meus carros», no plural), e outra, a sua relação com o sistema prononimal definido pelos participantes do discurso (eu, tu ou você, nós, vós ou vocês) ou pelas entidades que esses participantes referem (ele, ela, eles, elas). O Dicionário Terminológico aponta isso mesmo, frisando a relação de posse geralmente marcada por esta subclasse de determinantes: «[o determinante possessivo] tem um valor deíctico ou anafórico, contribuindo para a construção da referência do nome que precede através do estabelecimento de uma relação de posse entre o nome e, por exemplo, um participante do discurso ["O meu carro é o melhor"] ou um antecedente textual ["Todos os pais pegaram nos seus filhos e saíram" – "seus" refere-se a "todos os pais"].»

Pergunta:

Gostaria de confirmar, por favor, a regência do verbo clicar: em ou sobre?

Resposta:

O verbo clicar, à semelhança de premir ou pressionar, seus sinónimos, está dicionarizado como um verbo de uso coloquial que dispensa regência, ocorrendo com objeto direto, quando significa «pressionar uma tecla»: «Clique as duas teclas ao mesmo tempo» (Dicionário Unesp do Português Contemporâneo); «clicou furiosamente o controlo remoto para mudar de estação» (Dicionário Houaiss). No entanto, e dado que se trata de um verbo identificado como característico do estilo coloquial, não é ilegítimo empregá-lo com as preposições em ou sobre, por analogia com o verbo carregar, igualmente possível quando se pretende referir o uso de teclas em equipamentos informáticos.