Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por que na língua portuguesa não existe um padrão para muitos dos nomes de cidades e dos países do mundo. Por exemplo Botswana/Botsuana, New York/Nova York/Nova Iorque, Zimbabwe/Zimbábue/Zimbabué, Moscou/Moscovo, etc.

Quando escrevo um artigo posso aleatoriamente escolher a ortografia com que me sinto mais confortável?

Resposta:

A escolha não é aleatória, mas tem muito que ver com o conhecimento que se tem do uso dessas formas – e por isso é mesmo necessário estar em contacto com a cultura ou com comunicação social dos países de língua portuguesa.

Em Portugal, usa-se Nova Iorque e Moscovo; já quanto a Botswana e Zimbabwe, grafias com uso internacional, há formas portuguesas, Zimbábue ou Zimbabué e Botsuana, mas estas ainda não alcançaram uso generalizado. Refira-se, aliás, que o Código de Redação do português para as instituições europeias fixa como norma as formas Botsuana e Zimbabué (nomes oficiais: República do Botsuana e República do Zimbabué). No Brasil, usa-se Moscou e também se emprega Nova Iorque; além disso, existem as formas Zimbábue e Botsuana, usadas nos jornais, não sistematicamente. É de supor que, por enquanto, outros países de língua portuguesa sigam as formas usadas em Portugal, à semelhança do que ocorria com a ortografia (até 2009, o Acordo Ortográfico de 1945 vigorava em Portugal e nos países africanos lusófonos), mas não foi possível reunir dados fiáveis para esta resposta.

Em suma, o uso não é feito ao acaso a respeito de Nova Iorque e Moscovo/Moscou. Há maior oscilação com as formas Zimbabwe e Botswana: em Portugal, recorre-se muitas vezes às formas internacionais, enquanto, no Brasil, certa imprensa usa formas já adaptadas à ortografia do português. 

Pergunta:

A propósito das conjunções pois e porque, gostaria de saber como consideram a resposta a esta questão:

«Na frase de Mia Couto: "E digo ensinar porque existe uma diferença sensível entre ensinar e dar aulas", a conjunção porque pode ser substituída por pois.

«A afirmação é V (verdadeira) ou F (falsa)? Justifique.»

Pessoalmente, considero-a verdadeira, pese embora o uso indevido do porque com sentido explicativo.

Gostava de saber a vossa opinião.

Resposta:

De acordo com C. Cunha e L. Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1986), as conjunções coordenativas explicativas «ligam duas orações, a segunda das quais justifica a ideia contida na primeira». Os autores inserem nesta categoria as conjunções que, porque, pois e porquanto. Assim, em meu entender, a resposta à questão que coloca é verdadeira.

Pergunta:

A língua inglesa tem duas palavras para designar níveis de responsabilidade diferentes (accountable e responsible). Accountable será quem presta contas sobre a acção, e responsável será quem tem de fazer acção.

Haverá alguma tradução mais exacta para accountable?

Resposta:

A palavra responsável, em português, recobre eftivamente os significados que, em inglês, correspondem a dois vocábulos diferentes, responsible e accountable. Com efeito, entre as várias aceções de responsável, o Dicionário Houaiss distingue:

«1 que ou aquele que responde pelos seus atos ou pelos de outrem; que têm condições morais e/ou materiais de assumir compromisso; 2 que ou aquele que deve prestar contas perante certas autoridades.»

A aceção 1 corresponde a responsible, e a 2, a accountable.

No entanto, pode-se distinguir lexicalmente a aceção 2 com recurso à forma responsabilizável, como se encontra no sítio Linguee:

(1) «the other policies of the Community are also responsible and accountable for the integration of consumer interests» = «as outras políticas da comunidade são igualmente responsáveis e responsabilizáveis pela integração dos interesses dos consumidores»

Mas existem outras soluções em português, como mostra o referido sítio, por exemplo:

a) traduzindo responsible por «encarregado de» ou «responsável», e accountable por «(que trata) de prestação de contas»:

(2) «[Universities] are responsible and accountable for their programmes» = «[As universidades] serão responsáveis e obrigadas a prestar contas pelos seus programas»;

b) ou como que fundindo as ...

Pergunta:

Gostaria de saber se está errado aplicar a palavra salvado desta forma: «A imagem está salvada na rede.» «As imagens estão salvadas no terminal de computador.»

Resposta:

Coloquialmente, no domínio da informática, usa-se de facto salvar (cf. Dicionário Houaiss), mas considera-se que gravar ou «guardar em arquivo» são formas preferíveis. Mesmo assim, caso se use salvar com auxiliar ser ou estar, recomenda-se a forma de particípio passado salvo. Se ter ou haver forem os auxiliares em tempos compostos, emprega-se salvado ou salvo.

Atente-se no que descreve Maria Helena de Moura Neves no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003):

«1. A forma de particípio regular salvado é usada com os auxiliares ter e haver. Ele inventava que teria estado frente a frente com ursos e teria SALVADO duas mulheres de se afogar. [...] Os soldados haviam SALVADO o país no decuurso da guerra. [...]

«2. A forma de particípio irregular salvo é usada com todos os auxiliares. Sua impressão era a de se ter SALVO por um triz. Quando a água desceu, o par que se havia SALVO nas três cabaças procurou um sítio. [...] Quem é SALVO tem apenas o dever de gratidão. [...] Está tudo SALVO. [...]»

Pergunta:

Na resposta à pergunta cumprimento ou saudação, leio «ao final do encontro». Não é mais correcto «no final do encontro»?

Resposta:

Recomenda- se a forma «no final de...» (cf. Énio Ramalho, Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, Lello).

No entanto, provavelmente por analogia com «ao princípio» (cf. idem), documenta-se também o uso frequente de «ao final de...» (cf. Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira).