Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sabendo que o modificador interno ao grupo verbal pode apresentar-se sob as formas de grupo adverbial, grupo preposicional e oração, na frase «Ele demorou oito dias», qual a função sintática do grupo nominal «oito dias»?

Sabendo que o complemento oblíquo pode apresentar-se sob as formas de grupo preposicional, grupo adverbial ou a coordenação de ambos, na frase «A conferência durou três horas», qual a função sintática do grupo nominal «três horas»?

Resposta:

Demorar e durar são verbos que se referem a intervalos de tempo, expressos por grupos nominais com a função de complemento direto, muito embora não substituíveis pelo pronome átono o. Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Editora Lucerna, 2002, pág. 418; mantém-se a ortografia original) realça esta particularidade, anotando que «não são freqüentes, embora gramaticalmente possíveis, as pronominalizações com os verbos [que significam medida, peso, preço e tempos]»; p. ex. (idem): «O corredor mede cinco metros.» (?«O corredor corre-os.»); «o atleta pesa sessenta quilos.» (?»O corredor pesa-os.», no sentido de «ter o peso de», e não «fazer pesar»); «O novo carro custou trinta mil reais.» (?«O novo carro pesou-os.»); «O filme durou três horas» (?«O filme durou-as»).

Pergunta:

Antes de mais, muitos parabéns pelo extraordinário trabalho que têm desenvolvido. Consulto com frequência a vossa página e espero que resolvam rapidamente as arestas ainda não limadas.

Quanto à questão, relaciona-se com a frase «Eles foram mascarados». «Foram» é do verbo ir, ou pode ser entendido como uma forma do verbo ser, na passiva, fazendo, portanto, um predicado nominal? «Mascarados», se for o verbo ser, é, ou não, um predicativo do sujeito?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

A sequência podia ter sido mais bem contextualizada, de modo a apurar com mais clareza se se trata do verbo ir ou do verbo mascarar na voz passiva. No entanto, o mais certo é que, em «eles foram mascarados», «foram» seja uma forma do verbo ir, e não do verbo ser, porque é estranha uma frase em que ocorra a passiva de mascarar com um agente da passiva (?«eles foram mascarados pela tia»). Sendo assim, o mais plausível é mascarados ser um adjetivo participial, e não a forma de particípio passado de um verbo principal transitivo que participe na construção passiva. Por conseguinte, «mascarados» é um predicativo do sujeito.

Agradeço as palavars iniciais em nome do Ciberdúvidas.

Pergunta:

Como é que se deve grafar: «bicicletas desdobráveis», ou «bicicletas dobráveis», ou ambas estão certas?

Obrigado.

Resposta:

Usam-se as duas formas – não é uma questão de grafia, mas, sim, de compatibilidade entre a construção da palavra e a realidade. No entanto, «bicicleta dobrável» parece ser mais consistente com a ideia da bicicleta convencional ou "clássica", à qual se acrescenta a particularidade de poder ser dobrada, com vantagens de transporte e arrumação. Dito isto, também se pode aceitar que a bicicleta seja desdobrável, na medida em que é vendida dobrada e, só após aquisição e primeiro uso, é que se desdobra para tomar a configuração convencional.

Pergunta:

Pode dizer-se «horrivelmente mal», ou é tautológico?

Resposta:

É uma expressão que só se admite no estilo coloquial.

Quanto a tratar-se de uma tautologia ou de uma redundância, pressupondo a equivalência de mal a horrivelmente, reconheça-se que há certos contextos em que as duas palavras são intersubstituíveis («isto está mal/horrivelmente feito»), o que faz da sua associação uma redundância. Contudo, pode-se considerar, mais uma vez, na perspetiva do uso coloquial, que horrivelmente como terrivelmente são formas enfáticas de dizer o mesmo que muito. Sendo assim, justifica-se o uso de «horrivelmente mal».

Pergunta:

A palavra aguarela é da família de palavras de água? Se sim, qual o processo de formação? Esta dúvida surgiu na sequência da apresentação de um trabalho em que várias opiniões se dividiram, não se chegando a uma opinião correta. Pela origem da palavra, consultada neste site, parece-me que o termo aguarela é estrangeiro, não estando relacionado com a palavra água, mas a dúvida persiste...

Agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

Pode considerar-se que aguarela (ou aquarela no Brasil) pertence à família de palavras de água, mas não de forma direta. A palavra tem de facto origem estrangeira (italiana, segundo o Dicionário Houaiss), mas o seu radical remonta ao latim aqua, que é também o étimo (isto é, a origem) do português água.