Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do apelido Elias em Portugal.

Grato pela atenção.

Resposta:

Tem origem no nome próprio Elias, tal como muitos outros apelidos/sobrenomes. Este nome tem origem no hebraico Eliah, que significa «o senhor (é) Deus» ou «Deus é Jehovah»1, e foi transmitido ao português pelo grego (H)Elías e pelo latim (H)Elīas (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). A sua popularidade é devida ao profeta bíblico assim chamado. Em Portugal, nos tempos da Reconquista medieval, o uso do nome Elias está documentado como patronímico, quando antecedido do elemento árabe ben ou iben, «filho» (Machado, op. cit.).

1 O autor poderia ter usado a forma Jeová, mais de acordo com os princípios da ortografia do português. Note-se que outras fontes interpretam o nome como «o meu deus é Jehovah (ou Jeová)».

Pergunta:

A expressão «escrever à mão» tem mesmo crase, como tantas vezes vejo escrita? Se realmente tivesse, teríamos de dizer «escrever ao lápis» em vez de «escrever a lápis», para manter a coerência gramatical. Ou estou enganado?

Resposta:

Trata-se de expressões típicas do português, às quais não se pode exigir muita lógica, porque são resultado de processos históricos que podem ser fortuitos. No caso em apreço, há, mesmo assim, alguma lógica, porque se diz «escrever à mão», por oposição a «escrever à maquina» ou «escrever ao computador». «Escrever com lápis» é já uma especificação de «escrever à mão». Note ainda que, pelo menos, em Portugal, se usa «escrever a caneta/a lápis/a tinta». A respeito do português do Brasil, diga-se que igualmente se regista o uso de «escrever a lápis», sem artigo definido, exemplificando o uso da preposição a para exprimir meio, instrumento e modo (Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 307).

Pergunta:

Gostava de saber o significado e a origem da expressão «pergunta calista». Encontrei-a na crónica Sonetos a Cristo, de Lobo Antunes. Nunca a tinha ouvido nem a encontrei nos dicionários que consultei.

Obrigada.

Resposta:

Pelo contexto, infere-se que calista seja o mesmo que  «irritante», «maçadora», «tonta». Quanto à sua génese, aceitando que se trata de uma criação literária, sugiro que calista seja a conversão em adjetivo do substantivo calisto, «o indivíduo a cuja presença o jogador que está infeliz atribui a sua má sorte (António Morais da Silva, Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa; neste dicionário, também «género de aves passeriformes», «género de insetos coleópteros», «pequeno copo ou cálice» — como termo da gíria —, «dose de bebida», «cadernos de apontamentos»). É possível que calista ocorra também como alusão a calina, feminino do adjetivo calino, «que diz disparates», «estúpido, bronco», «indolente» e, como regionalismo transmontano, «quente» (a palavra é usada igualmente como substantivo, nas aceções de «indivíduo parvo, ingénuo», idem).

Pergunta:

Como se diz: «bater corrida», ou «competir»? Ex.: «Parece que está a bater corrida com a irmã dela»? Ou «Parece que está a competir com a irmã dela»?

Resposta:

Normalmente, num nível corrente de linguagem ou num registo formal, diz-se competir ou «fazer concorrência». «Bater corrida» será uma expressão do português popular de Angola, que só pode ser aceite num registo informal.

Pergunta:

Negligível será palavra a usar em Portugal, ou é particularidade brasileira?

Resposta:

Negligível está registado em dicionários brasileiros — cf. iDicionário Aulete e Dicionário Unesp do Português Contemporâneo —, que também acolhem negligenciável. O iDicionário Aulete descreve negligível como empréstimo do inglês e define-o como termo especializado da Física e Matemática («diz-se daquilo que pode ser desconsiderado (refere-se esp. a valores ou quantidades tão ínfimos que podem ser desprezados»), que por extensão semântica significa também «insignificante, desprezível».

Refira-se que negligível parece ter pouco uso, quer no português do Brasil quer no português europeu, a avaliar pelas raríssimas vezes em que aparece em corpora textuais: na Linguateca, apenas se registam duas ocorrências, uma num jornal brasileiro (Folha de São Paulo) e outra num jornal português (no Público); no Corpus do Português,  de Mark Davies e Michael Ferreira, apenas figura uma vez, num texto de origem brasileira. Em Portugal, os dicionários feitos em Portugal, mesmos os mais recentes ou atualizados (cf. versões em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) só incluem negligenciável. Pelo menos, em registos não especializados, não se vê necessidade na subst...