Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem da palavra bajanca e o seu significado? E laberças («papas laberças»)?

Agradeço.

Resposta:

Sem qualquer contexto, torna-se difícil interpretar a palavra bajanca, que encontro como topónimo, localizado em Castelo de Paiva, e, no plural, como Bajancas, em Penela (Coimbra) e Vila Real, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, sem que este autor esclareça cabalmente a origem do nome: «Estará relacionado com vagem, de que será um derivado?» Como substantivo comum, acho também uma forma muito próxima, bajanco, que tem dois significados bastante diferentes um do outro, a ponto de se falar de dois homónimos (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa): bajanco 1, «margem escarpada do ribeiro, que forma precipício, mas de pouca altura»; e bajanco 2, «charlatão, curandeiro, mezinheiro que cura com ervas». O Dicionário Houaiss confirma estes significados, registando bajanco 1 como sinónimo de barranco, sem atribuir-lhe etimologia, e bajanco 2, com a indicação de ter «origem obscura». É possível que bajanca seja uma variante regional de bajanco.

Quanto a laberças, que pressupõe um singular laberça, nada encontrei nas fontes consultadas. Só me deparo com este vocábulo, associado a papa, na expressão «papas laberças», em páginas de culinária na Internet e num famoso livro de Maria de Lourdes Modesto, Cozinha Tradicional Portuguesa (Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1982, pág. 85), onde as «papas laberças» são atribuídas à cozinha regional da Beira Alta. De qualquer forma, são nulas as pistas sobre a etimologia deste regionalismo.

Pergunta:

De acordo com a nova terminologia, como se classifica a palavra mal-estar? É um composto morfológico, ou morfossintático? Mal pode ser considerado prefixo? Obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, que se destina a apoiar o ensino da gramática no ensino básico e secundário, trata-se de um composto morfossintático, visto que provém da associação de mal, que é um advérbio, a estar, um verbo. Mal não é considerado prefixo, como se pode verificar na Nova Gramática do Português (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984: 108), de Celso Cunha e Lindley Cintra, a qual apresenta como exemplos de composição bem-aventurar e maldizer (ver igualmente Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 41). Note-se ainda que a rigor a palavra mal-estar é também resultado da conversão do sintagma verbal «mal estar» em substantivo, mal-estar.

Pergunta:

Peço desculpa por retomar o tema dos adjetivos e agradeço, desde já, a vossa disponibilidade e preciosa ajuda.

Numa plataforma digital facultada por um grupo editorial, surge uma apresentação sobre as funções sintáticas internas ao grupo nominal — modificador restritivo do nome e modificador apositivo do nome — com seguinte exemplo: «As revistas científicas são muito interessantes.» O grupo adjetival «científicas» é apresentado como modificador restritivo do nome.

A minha dúvida é:

— O adjetivo científicas é relacional («revistas de ciência»?)? Se é relacional, pode ter a função sintática de modificador? Ou devo considerar «científicas» um adjetivo qualificativo?

Em determinada fase do meu estudo, tinha percebido que um adjetivo qualificativo tem a função sintática de modificador e o adjetivo relacional de complemento do nome.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

O adjetivo científico é relacional, porque (cf. Dicionário Terminológico, s.v. Classes de adjetivos, domínio, B. 3.1; ver também Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 247 e 263):

a) tem um nome (ciência) como base derivacional;

b) configura uma relação semântica (assunto), que é concebida como afim da relação de posse: «a revista que é de/diz respeito a ciência».

Note-se que nem sempre um adjetivo relacional corresponde a um complemento nominal: «americana» é complemento do nome em «invasão americana», porque invasão pressupõe a relação com o verbo invadir e o seu sujeito, o agente do ato de invasão («os americanos ou a América invadiram um país/território x»); mas é modificador em «tabaco americano», porque aqui apenas se indica proveniência de um produto que é designado por tabaco, que não pressupõe nenhuma relação especial com um verbo de ação.

Pergunta:

Gostaria de saber se há alguma diferença entre os verbos demostrar e demonstrar. Algum deles é considerado arcaísmo, ou a utilização dos dois é igualmente atual?

Obrigada.

Resposta:

Demostrar é o mesmo que demonstrar, mas deve classificar-se como arcaísmo, sendo atualmente pouco ou nada usado. O Dicionário Houaiss, em nota etimológica a demonstrar, refere que esta forma tem a «var[iante] vulg[ar] desnasalizada demostrar».

Pergunta:

Qual a origem do apelido Rosa? Não encontro em lado algum...

Resposta:

O nome Rosa usa-se frequentemente como nome próprio, tendo origem no substantivo comum rosa (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Além disso, Rosa é usado como apelido, atribuindo Machado (op. cit.) a sua origem a uma antiga alcunha, também ela derivada do substantivo comum rosa; é apelido documentado desde, pelo menos, o século XIV (1339?): «Johã da Rosa mercador...» (idem).