Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço informação sobre a forma correcta de grafar as seguintes palavras: leucopoese/leucopoiese, eritropoese/eritropoiese, trombopoese/trombopoiese. Procurei algumas na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e, para meu espanto, constatei nela constarem apenas leucopoese e eritropoiese...

Resposta:

O segundo elemento dos termos apresentados tem duas formas, ambas corretas: -poese e -poiese, com origem no grego clássico poíēsis, eōs, «"criação; fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia", através do lat[im] poēsis, is "poesia, obra poética, obra em verso"» e que «ocorre em cultismos do s[éculo] XIX em diante, como galactopoese, hematopoiese/hematopoese, leucopoiese/leucopoese, onomatopoese (Dicionário Houaiss, s. v. -poese). Dois dicionários médicos publicados em Portugal, o Dicionário de Termos Médicos (Porto Editora), de Manuel Freitas e Costa, e o Dicionário Médico, de L. Manuila et al. (Lisboa, Climepsi Editores, 2004; adaptação e revisão da edição portuguesa de João Alves Falcato), registam só as formas que contêm -poiese, permitindo concluir que, pelo menos, entre médicos portugueses, se prefere leucopoiese (ou leucocitopoiese), eritropoiese e trombopoiese.

Pergunta:

Qual a origem do topónimo cabo Espichel?

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, avança a hipótese de Espichel ser um diminutivo moçárabe que, acabando em -el, deriva de espicho, «sugerido pela forma do cabo». Note-se que a palavra espicho tem, entre outras aceções, as de «orifício aberto no tampo de barril ou tonel» e «pedaço de madeira aguçado com que se veda esse buraco», sendo-lhe ainda atribuída a variante espiche. José Pedro Machado quer, portanto, dizer que o nome deste cabo do litoral português tem origem no uso metafórico da palavra espicho ou espiche, de modo a aludir ao modo como certo ponto da costa portuguesa toma forma aguçada, penetrando no mar. Acrescente-se que a terminação -el de muitos topónimos no Centro e no Sul de Portugal (Portel, Pinhel, Alportel, Beringel) parece corresponder etimologicamente ao sufixo diminutivo latino -ellus, que em palavras de tradição galego-portuguesa ocorre como -elo (Portelo, castelo, cutelo, capelo; cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Gostaria de um esclarecimento quanto ao uso dos advérbios menor (ou maior) e menos (ou mais), quando se referem a substantivos abstratos, a saber empenho, acesso, trabalho. É correto dizer, por exemplo, que «a tarefa demandou menor empenho por parte dos empregados», ou o correto seria «menos empenho»?

Obrigada.

Resposta:

As duas construções estão corretas. Pode-se empregar mais e menos ou maior e menor com nomes não contáveis e abstratos: «mais/menos empenho, acesso, trabalho»1; «maior/menor empenho, acesso, trabalho». Neste caso, as formas mais e menos são classificadas como pronomes adjetivos indefinidos no Brasil (cf. Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959 e E. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pág. 169).

Em Portugal, parece não haver a tradição de classificar mais e menos também como pronomes, determinantes ou quantificadores, a julgar pela sua ausência entre os pronomes indefinidos nas gramáticas tradicionais (por exemplo, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, págs. 356-366) ou entre os quantificadores existenciais no Dicionário Terminológico (DT). No entanto, mais e menos associados a substantivos correspondem à definição dos quantificadores existenciais apresentada no DT, uma vez que, à semelhança de muitos e poucos, são empregados «para expressar uma quantidade [...] relativa a um valor considerado como ponto de referência» (idem; exemplos da fonte consultada):

(1) «Vários alunos faltaram ao teste. (Uma quantidade não precisa de alunos faltou ao teste)»

(2) «Muitos alunos faltaram ao teste. (O número de alunos que faltaram ao teste é superior à quantidade média).»

A diferença no uso de mais e menos reside no...

Pergunta:

Qual é a palavra correta para designar o efeito do carma: efeito cármico, ou carmático? E ainda no caso da primeira palavra, cármico, usa-se, ou não, o acento agudo?

Resposta:

Com o significado de «relativo a carma», só se regista cármico nos dicionários consultados (Dicionário Houaiss, iDicionário Aulete, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). O iDicionário Aulete acolhe também carmático, mas aplicável apenas a «[...] uma escrita arábica, em que se não empregam pontos diacríticos nem sinais vocálicos», definição duvidosa, porque não confirmada por outros dicionários.

Refira-se ainda que carma é, «[n]o hinduísmo e no budismo, lei segundo a qual o homem está sujeito à causalidade moral, e portanto todas as ações, sejam elas boas ou más, geram reações correspondentes que retornam àquele que as praticou nesta vida ou em encarnações futuras e determinam o seu aperfeiçoamento ou sua regressão» (iDicionário Aulete).

Por último, assinale-se que todas estas palavras se escrevem com inicial minúscula. Só o substantivo carma pode eventualmente exibir maiúscula inicial, por exemplo, em contextos em que se pretenda dar ênfase à palavra por razões religiosas ou filosóficas.

Pergunta:

Estou fazendo uma revisão e deparei-me com a palavra favelado. Gostaria de saber se essa palavra é discriminatória, pois o termo favela hoje em dia o é.

Resposta:

É certo que, nos dicionários, favelado não tem indicação de ser termo pejorativo; no entanto, atendendo à realidade de exclusão social para que remete favela, é inevitável que a palavra favelado tenha carga negativa. Mas o facto de este vocábulo aludir a uma eventual situação de discriminação pode não ser razão suficiente para a suprimir numa revisão, pois tudo depende do contexto em que ocorre: numa notícia de televisão ou num jornal, a ocorrência de favelado pode ter valor discriminatório; num outro texto, pode não ser exatamente assim. Note-se que às vezes se recorre ao eufemismo «morador(es) da comunidade», muito embora o contexto permita em geral depreender que se trata de favela.