Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a pronúncia mais adequada para a palavra vagão em português de Portugal: com "á", ou com "â"?

Resposta:

Em português europeu, considera-se que a pronúncia-padrão de vagão tem a aberto na sílaba átona va- (transcrição fonética: [vaˈgɐ̃w̃]; cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora; registo áudio disponível no sítio Forvo).

Pergunta:

Como se escreve "comó" em linguagem popular?

«O carro é lindo "comó" caraças!», ou «O carro é lindo com´ó caraças»?

Resposta:

Sugiro que escreva «O carro é lindo comò caraças».1

O novo acordo ortográfico é omisso sobre a grafia dessa contração popular, mas fontes mais antigas facultam uma pista que é ainda válida no presente. Refiro-me ao Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves (1947, pág. 185), onde se define o seguinte critério (mantenho a ortografia original):

«[...] recebem o acento grave certas formas que representam contracções de palavras inflexivas terminadas em a com as formas articulares ou pronominais o, a, os e as [...]. Estão neste número [...] comò, comà, comòs, comàs, formas usadas em várias regiões portuguesas e nas quais o primeiro elemento é coma (antigo e popular) = como [...].»

1 Caraças é palavra do registo informal (podendo chegar a grosseiro) do português europeu.

Pergunta:

Se a palavra existe se escreve com a letra x e lê-se como um z, porque é que a palavra azeitona é escrita com um z e não com um x?

Resposta:

Tudo se deve a razões históricas, porque a ortografia portuguesa mantém algumas características etimológicas. O x de existir é motivado pelo facto de haver um x no verbo latino que deu origem a tal verbo português: «lat. exsisto, is, stĭti, ĕre `elevar-se acima de, aparecer, deixar-se ver, mostrar-se; sair de, provir de, nascer de; apresentar-se, manifestar-se; existir, ser; consistir, resultar´(Dicionário Houaiss). No caso de azeitona, o z representa normalmente o [z] que ocorria em palavras de proveniência árabe: az-zait, «óleo, essência, azeite» (idem).

 

 

 

Pergunta:

Gostaria de saber se o índice temático pode ser simultaneamente sufixo de flexão. Fiquei com esta dúvida após verificar alguns exercícios no manual adotado na minha escola, da autoria de uma especialista em linguística. Se os sufixos flexionais marcam a flexão das palavras (e sabemos que os nomes e adjetivos flexionam em género, número e grau), o que eu pergunto é se na palavra gata o -a é também sufixo flexional, uma vez que marca a flexão em género da palavra, tal como surge no meu manual.

Resposta:

Tendo em conta o Dicionário Terminológico, destinado a apoiar o ensino básico e secundário em Portugal, o índice temático de nomes e adjetivos é um constituinte temático, o que implica ser também um sufixo, porque um constituinte temático se define como «[um s]ufixo que especifica a classe morfológica a que um dado radical pertence». Deste modo, os índices temáticos (por exemplo, a vogal -o e -a de gato e gata, respetivamente, e o -e de dente) são efetivamente sufixos, que, como se observa no DT (s.v. índice temático, B 2.2.1. Flexão nominal e adjetival), acumulam a função de marcadores do género nominal. Por outras palavras, o índice temático tem função e interpretação duplas: é um sufixo que marca a classe morfológica de um radical, definindo-o como nominal ou adjetival (o -a de gata ou de pequena indica que estas palavras são um nome e um adjetivo, respetivamente — não são um verbo1); e é um sufixo flexional, visto marcar o valor de género de um nome ou adjetivo (p. ex., masculino em gato e pequeno; feminino em gata e pequena).

1 No entanto, uma das tradicionalmente chamadas formas nominais do verbo, o particípio passado, exibe índice temático: «o/a gato/a foi apanhado/a».

Pergunta:

Tendo em conta o Dicionário Terminológico, como classificar, quanto à formação, a palavra hipertensão?

Resposta:

Tendo em conta quer a gramática tradicional quer o Dicionário Terminológico, destinado a apoiar o ensino da gramática no ensino básico e secundário em Portugal, diz-se que hipertensão é uma palavra derivada por prefixação. A base de derivação é a palavra tensão, à qual se junta o sufixo hiper-, de origem grega e com o sentido genérico de «posição superior, excesso» (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 89).