Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra ria designa um tipo de acidente geográfico comum no litoral do norte de Portugal, na Galiza e em outras partes do norte da Península Ibérica. Os dicionários da língua portuguesa a definem de modo díspar, o que me deixa na dúvida sobre qual seria a sua definição correta, exata, razão pela qual peço que o Ciberdúvidas, usando da sua tradicional competência incomum, apresente a significação científica, exata e completa do vocábulo em apreço.

Indago ainda se no plural o termo supramencionado adquiriria outro sentido, como sugere o Dicionário Aurélio.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra ria pode referir-se a um «esteiro ou braço de rio», conforme definição do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que também a classifica como termo usado no domínio da geografia para designar «[uma] secção da costa, geralmente abrupta e ramificada, onde se deram movimentos radiais que provocaram o parcial preenchimento de vales pelas águas marítimas».

Atendendo a esta descrição, só se aplica ria, num contexto especializado, a um acidente geográfico muito frequente sobretudo na Galiza, e com paralelo noutras zonas da Europa (Bretanha, Sudoeste de Inglaterra) e do globo, mas que, a rigor, não se encontra em Portugal, muito embora neste país certos sistemas litorâneos sejam tradicionalmente chamados rias (ria de Aveiro, no litoral centro-norte, e ria Formosa, no Sul).

Também convém não confundir uma ria com um fiorde: este, como indica o seu nome norueguês, fjord (aportuguesado como fiorde), é «estreito braço de mar, entre altas escarpas adentro da costa» (cf. nota etimológica do Dicionário Houaiss), que resulta da inundação de um vale glaciário pelas águas do mar; uma ria também surge em consequência da inundação de um vale, com a particularidade de este não ter origem glaciária (cf. a mesma distinção no artigo da Wikipédia em espanhol; note-se que se referem aí as rias portuguesas, que não são, como se disse, verdadeiras rias).

 

N. E. (25/06/2020) – Embora se aceite a grafias «ria Formosa», recomenda-se que neste hidrotopónimo a palavra ria também tenha maiúscula inicial, porque é inseparável do segundo elemento: Ria Formosa.

Pergunta:

Luxemburgo culpa parte política por crise no Palmeiras: «Diretores pipocam para torcedor.»

Acusam Neymar de ser pipoqueiro...

Que significam estes termos?

Grato.

Resposta:

No contexto do futebol brasileiro, o Dicionário Houaiss indica que pipocar é o mesmo que «demonstrar medo (o jogador) de disputar jogada, de chutar ao gol etc.; acovardar-se», e pipoqueiro, o «jogador que costuma pipocar». Terá sido, portanto, este o caso de Neymar, segundo certas notícias. Quanto ao título que o consulente apresenta, a leitura da respetiva notícia revela que existe um treinador que acusa os diretores de um clube de andarem amedrontados com os torcedores; passo a citar (em UOL Esporte-Futebol):

«"A parte política do clube é muito complicada, e a torcida tem uma influência muito grande dentro do clube. Chegou a acontecer da polícia querer me tirar de aeroporto porque a torcida queria me bater. Isso eu não posso permitir, tem que tirar o torcedor, e não eu. Vou falar pelo que eu vi, diretores pipocam para torcedor”, afirmou Luxemburgo, em entrevista ao SporTV.»

Noutros contextos, as palavras em referência têm os seguintes significados, todos eles característicos do português do Brasil, também segundo o Dicionário Houaiss, donde foram retirados os seguintes significados e respetivos exemplos:

...

Pergunta:

As grafias "pomo de Adão" e "pomo de adão" são grafias ortográficas variantes de "pomo-de-adão" existentes quanto a acepção «saliência da glândula tireoide localizada no pescoço», o mesmo que "gogó"? São grafias válidas em âmbito culto da língua portuguesa no parâmetro antedito? Ou só são grafias informais ou mesmo erradas?

E tendo em conta a pergunta acima, como fica a grafia pomo-de-adão segundo o que preconiza o AO 1990? Fica a grafia pomo-de-adão legado a notar a "árvore" e "pomo de adão", o "gogó"? Mas a grafia hifenizada não é consagrada pelo uso para ambas acepções? E se caso a grafia "pomo de Adão", grafada sem hífenes e com A maiúsculo, for legítima, ela mantém as acepções referente a "árvore" e a referente ao "gogó" inalteradamente, ou não? Aonde há cisão quanto as acepções nesses casos?

E em Portugal é pomo-de-adão sinônimo de pómulo? Mas será que isso também é assim no Brasil?, pois pômulo não quer dizer «maxila ou seio da face» ou ainda «saliência adjacente às órbitas oculares pouco acima das bochechas»? Não são portanto coisas díspares? Ou seria pómulo hiperônimo de algum ou de ambos os termos, maçã-do-rosto e pomo-de-adão, sendo que os dois termos denotam saliências presentes no corpo humano?

Agradeço qualquer mínimo esclarecimento, pois estou a carecer.

Resposta:

No quadro da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora, distinguem graficamente pomo de adão, «saliência laríngea», sem hífen, de pomo-de-adão, «espécie botânica», com hífen.1 A hifenização do termo botânico pomo-de-adão decorre da Base XV, n.º 3:

«3 Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; bênção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inácio,
bem-me-quer
(nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d´água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro).»

A não hifenização de pomo de adão/Adão (ver nota 1) é consequência do n.º 6 da mesma base, a seguir citado parcialmente:

«6 Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa). Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções:

a) Substantivas: cão de gua...

Pergunta:

Na vossa resposta 11 734 a propósito do género da palavra bebé pode ler-se: «O uso da palavra bebé antecedida de artigo feminino ou masculino é de tal forma frequente que já adquiriu o direito a ser dicionarizada.»

Ou seja, embora o termo ainda apareça registado em muitos dicionários (p. ex. Porto Editora) como sendo um substantivo masculino, outros dicionários, aceitando o facto de o uso de bebé no feminino se ter tornado frequente, passaram a registar este substantivo como tendo os dois géneros.

Tendo presente esta situação, gostaria de saber a vossa opinião no que diz respeito à palavra grama (refiro-me aqui à unidade de medida e não à planta gramínea). O termo encontra-se registado como sendo do género masculino, contudo o seu uso na forma feminina («a grama», «duzentas gramas») é muito frequente entre os falantes da língua portuguesa, sendo porventura dominante em determinados meios, como por exemplo no comércio de bens alimentares. A minha questão é pois esta: recorrendo ao mesmo critério que foi usado para bebé, ou seja, o do "uso frequente" como justificação para a admissão de dois géneros, não faria sentido passar a admitir os dois géneros para a palavra grama, deixando assim de considerar formalmente errada uma utilização que se tornou muito frequente?

Resposta:

A pergunta faz sentido, mas acontece que estamos a falar de atitudes linguísticas dominantes numa dada comunidade numa certa época. Atualmente, no caso de grama, a comunidade científica e, por enquanto, os setores que se preocupam com a norma ou que se sentem com poder sobre ela impõem que se mantenha a atribuição do género masculino à forma grama («unidade de medida»). Além disso, note-se, apesar de o -a final ser geralmente indicativo do género feminino, há muitas palavras masculinas terminadas em-a — frequentemente formadas com elementos de origem parcial ou totalmente grega, por vezes incluindo -grama como segundo elemento de composição: «o cinema», «o planeta», «o telegrama».

Pergunta:

Qual a origem e o significado do prenome feminino Izolina?

Resposta:

O nome Izolina, ou melhor, Isolina (grafia fixada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora), tem origem no antropónimo masculino Isolino, segundo o seu Dicionário Onomástico Etimológica da Língua Portuguesa (2003) de José Pedro Machado. Este autor não atribui a Isolino uma etimologia segura, levantando, no entanto, a hipótese de se tratar de variante de Ezelino (idem), nome que propõe, com grandes interrogações, ter origem no alto alemão antigo edel, «nobre», modificado pelo sufixo diminutivo -lein.