Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em que circunstâncias se pode utilizar a expressão latina «opus magnum»?

Gostaria de saber se existe alguma expressão equivalente em português.

Resposta:

A expressão latina anda registada com outra ordem de elementos — «magnum opus» — em dicionários ingleses (cf. o Oxford Advanced Learner´s Dictionary), como designação da obra mais importante, mais marcante e de maior fôlego no conjunto da produção de um escritor, poeta, artista plástico, etc. Contudo, em português, a mesma expressão conforma-se ao padrão geral de colocação do adjetivo nessa língua, ocorrendo o adjetivo posposto ao substantivo («opus magnum»), não em dicionários, mas na comunicação social, como evidenciam alguns exemplos dos anos 90 do século passado, retirados do corpus CETEMPúblico:

«[...] Joyce só no continente consegue escrever o seu opus magnum sobre o dédalo de Dublin [...].»

«Pretendem assim ir em busca de aspectos que nesse opus magnum não tivessem um tratamento específico.»

A interpretação destes exemplos de «opus magnum» converge com a de «magnum opus» em inglês.

Em português, «magnum opus»opus magnum» é traduzível por obra-prima, cujos sinónimos também são possíveis: «obra mestra», «obra capital» «obra máxima» (cf. Dicionário Houaiss e

Pergunta:

Dirijo-me a Ciberdúvidas para pedir a gentileza (caso seja possível) de me esclarecer se os nomes dos dias da semana são ou não compatíveis com determinados tempos verbais usados, abaixo mencionados.

A minha primeira pergunta é se o nome do dia da semana, que desempenha outra função que não o sujeito, é considerado sintagma nominal ou adverbial. Assim, na frase:

«Quinta-feira foi ao teatro.» «Quinta-feira» é sintagma adverbial, ou sintagma nominal?

As minhas outras duas questões partem da frase: «Segunda vou ao teatro.»

Foi-me explicado que a diferença entre «na segunda-feira» e «segunda-feira» (informalmente: «na segunda» ou «segunda») consiste no facto de a forma segunda(-feira) só referir a (+a) segunda-feira que antecede ou segue imediatamente ao momento de enunciação. Caso esta afirmação seja válida, quereria verificar, se percebi e deduzi bem, os seguintes dois pontos:

1. As frases abaixo mencionadas são consideradas agramaticais porque os eventos não são localizados no espaço iminente do Ie (momento de enunciação)?

Veja-se os seguintes exemplos:

* «Terça tinha ido/fora ao teatro.» Pretérito mais-que-perfeito (Ij – símbolos usados em Gramática da Língua Portuguesa (Mateus et. al.: 1989).

* «Terça ia/costumava ir ao teatro.» Tempo Ik imperfeito do passado (não no sentido do condicional).

* «Terça viajarei a Londres.» Tempo Ip (mas no sentido de futuro do futuro: na próxima terça-feira, não na terça-feira da semana corrente).

2. Como se reflete a iminência do evento localizado...

Resposta:

1. «Quinta-feira foi ao teatro.»

Como já tem sido referido no Ciberdúvidas (ver Textos Relacionados), a descrição linguística do português regista, como acontece noutras línguas, a existência de grupos nominais (ou sintagmas nominais) de localização temporal com interpretação adverbial (cf. M.ª Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 166/167) — é o caso de «quinta-feira» em «quinta-feira vou ao teatro». No entanto, há investigadores (por exemplo, Telmo Móia) que argumentam que esses grupos nominais são grupos preposicionais num nível mais abstrato de análise (ibidem).

A ocorrência de grupos nominais com função adverbial não se limita aos dias da semana, podendo verificar-se também com outros nomes relativos ao calendário como semana, mês, ano:

(1) «Esta semana/este mês/este ano mudei/vou mudar de casa.»1

2. «Segunda vou ao teatro.»

Intuitivamente, direi que, de facto, o uso dos dias da semana em grupos nominais de valor adverbial é feito em referência ao momento em que se fala (momento da enunciação). Se digo «segunda vou ao teatro», quero referir-me à segunda-feira imediatamente posterior ao dia em que falo. Perante uma frase «segunda-feira saí mais cedo», quero com isso significar que saí mais cedo na segunda-feira imediatamente anterior ao dia em que falo. Deste modo, as frases que a consulente apresenta como agramaticais (ponto 1 da pergunta: «terça...») são realmente muito marginais quanto à sua aceitabilidade, dado que os tempos verbais que aí oc...

Pergunta:

Palavras como malmequer, claraboia, língua da sogra, fim de semana, em que não é possível deduzir o seu significado a partir dos elementos que as constituem, são palavras com estrutura complexa, mas que, quanto ao significado, se assemelham a palavras simples.

Quando expliquei que fim de semana era uma locução e que, com o novo Acordo Ortográfico, perdia os hífenes, classifiquei-a de composto morfossintático. Estarei correta, ou tratar-se-á de uma palavra simples. Na TLEBS falava-se em palavras lexicalizadas.

Resposta:

À luz do Dicionário Terminológico (DT), destinado a apoiar em Portugal o ensino da gramática no ensino básico e secundário, a palavra fim de semana não é uma palavra simples, é uma palavra complexa, formada por composição morfossintática.

Segundo o DT, palavras como caseiro e casa de banho são palavras complexas, sendo a primeira formada por derivação, e a segunda, por composição. A palavra fim de semana, de estrutura idêntica a casa de banho, porque apresenta dois substantivos ligados por uma preposição, é, por isso, um composto. Como a estrutura destes compostos depende da relação sintática e semântica entre os seus membros, diz-se também que são compostos morfossintáticos (cf. idem).

Quanto à palavra locução, é um termo genérico usado, no Acordo Ortográfico de 1990, para referir a grafia de certos compostos.

Pergunta:

Atente-se na frase seguinte: «Ele trabalhava calado.»

Segundo Celso Cunha & Lindley Cintra, «calado» desempenha a função sintática de predicativo do sujeito, apesar de ser precedido por um verbo não copulativo.

E agora, que função desempenha segundo a nova terminologia linguística?

Resposta:

Trata-se de um predicativo do sujeito, numa estrutura que não é mencionada pelo Dicionário Terminológico (DT).

O DT define o predicativo do sujeito como «constituinte que ocorre em frases com verbos copulativos», não abrangendo assim estruturas predicativas associadas a verbos transitivos e intransitivos. No entanto, a Nova Gramática Didática de Português, de Cristina Serôdio, Dulce Pereira, Esperança Cardeira e Isabel Falé (Lisboa, Santillana/Constância, 2011, pág. 168), contempla, em nota à margem, outras construções com predicativo do sujeito, observando o seguinte:

«Certos verbos intransitivos ocorrem em construções com um predicativo do sujeito. Neste caso, os predicativos não são obrigatórios, mas opcionais: A Rita chegou esfomeada

Saliente-se a utilidade desta nota para classificar como predicativo do sujeito a ocorrência de «calado» na frase em causa. Com efeito, sendo trabalhar um verbo intransitivo, é fácil detetar o paralelo estrutural «ele trabalhava calado» e «a Rita chegou esfomeada», uma vez que nas duas frases os adjetivos são parafraseáveis por uma oração reduzida de gerúndio com o verbo copulativo estar: «estando calado/esfomeada».

Acresce que, noutras respostas, se tem feito referência a este tipo de predicativo, que Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (37.ª edição, págs. 428-431), chama «anexo predicativo». No entanto, um estudo de Vera...

Pergunta:

Peço desculpa pela insistência, mas continuo sem resposta a esta minha "velha" questão... Como escrever?... «Eu estava superà vontade», ou «Eu estava super-à vontade»? E ainda «Eu estava com um superà-vontade invejável», ou «Eu estava com um super-à-vontade invejável»?

Resposta:

Não é fácil dar resposta a esta questão.

Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que existe a diferença, assinalada pelo consulente, entre «à vontade» (locução adverbial) e à-vontade (substantivo).1 Depois, deve-se atentar na possibilidade de o prefixo super- ter uso como palavra autónoma, com o significado de «muito» e função adverbial e adjetival, em registo familiar, conforme se regista no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (mantenho a ortografia da edição de 2001):

«[...] funç. adv. Fam. Usa-se antes de adjectivos e advérbios para indicar grau ou intensidade elevada. MUITOPOUCO. Estou super interessado. Fica super longe. [...] funç. adj. Fam. Que se destaca em relação aos demais pela sua excelência, superioridade... Aquele carro é super.»

Refira-se também que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Porto Editora, publicado nos finais de 2009, atribui entrada própria a super, classificando esta forma como advérbio. É de observar, no entanto, que esta grafia representa uma palavra aguda ou oxítona ("supér"), e não uma palavra grave ou paroxítona, que é como soa geralmente o morfema, mesmo quando ocorre como prefixo ("súper"). Para que a grafia pudesse representar a acentuação grave, deveria escrever-se súper, com acento agudo sobre a penúltima sí...