Pergunta:
Agradeço ao prezado senhor e deleto mestre Carlos Rocha pela resposta «A colocação dos pronomes» que mui satisfatoriamente me redigiu.
Ainda com o escopo de perscrutar algumas questões que não me foram dissolvidas, fui consultar a Moderna Gramática Portuguesa sobre as normas de sínclise. Lá, na pág. 587, Evanildo Bechara faz referência aos estudos de Manuel Said Ali Ida, um magistral sintaxista da língua portuguesa.
Transcrevo-lhe o trecho que se me deparou: «Durante muito tempo viu-se o problema apenas pelo aspecto sintático, criando-se a falsa teoria da ‘atração’ vocabular do ‘não’, do ‘quê’, de certas conjunções e tantos outros vocábulos. Graças a notáveis pesquisadores, e principalmente a Said Ali, passou-se a considerar o assunto pelo aspecto fonético-sintático.»
Ainda na pág. 591, Bechara nos remete a um comentário do prof. Martinz de Aguiar, que transcrevo: «A colocação de pronomes complemento em português não se rege pela fonética, nem é o ritmo, o mesmo binário-ternário, em ambas as modalidades, brasileira e lusitana, que impõe uma colocação aqui, outra ali, não. Ela obedece a um complexo de fatores, fonético (rítmico), lógico, psicológico (estilístico), estético, histórico, que às vezes se entreajudam e às vezes se contrapõem.»
Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2009, pág. 587-591).
Diante disto, gostaria de saber, se não se aplicam mais regras baseadas em atração, em parte, a que outros factores poder-se-ia recorrer para elaborar construções corretas, quanto à sínclise? Como a norma culta tem se comportado diante destas descobertas? Como se pode expandir a explicação do prof. Martinz quando cita o «complexo de fatores...
Resposta:
As perguntas feitas são pertinentes, mas ultrapassam o âmbito do tipo de respostas dadas no Ciberdúvidas, porque já lidam, por um lado, com a discussão de um problema teórico e descritivo, que é o do estatuto clítico dos pronomes átonos, e a relação da norma com os dados evidenciados pela descrição linguística.
De qualquer modo, há que ter em atenção que, considerando as variedades do português, existe, como já tem sido dito, em comum o facto de estes pronomes ocorrerem na adjacência de um hospedeiro verbal, muito embora se observe um contraste nítido entre português europeu e português brasileiro quanto à colocação dos clíticos em relação a esse hospedeiro (ver M.ª Helena Mira Mateus et al., 2003, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 847):
— no português europeu, a posição dos pronomes clíticos depende em grande parte de atratores da próclise;
— a respeito do português do Brasil, as descrições apontam um menor papel dos atratores da próclise, realçando a tendência para a próclise sistemática na coloquialidade e mesmo no registo formal, enquanto em situações de escrita e oralidade mais formais podem ocorrer a próclise ou a ênclise, mais uma vez, nem sempre em congruência com o que se verifica na variedade europeia.
Quanto a bibliografia, recomendo a leitura da Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 826-867) sobre tipologia e colocação dos clíticos.