Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Mais uma vez os parabenizo pela riqueza que é esse site.

Segundo a gramática normativa, verbos dicendi são aqueles que aparecem nos discursos diretos e têm a função declarativa (ou «sensitiva», segundo alguns linguistas). Os dicendi tradicionais são transitivos diretos como dizer, afirmar, exclamar, perguntar, responder, redarguir.

Porém, encontramos na literatura brasileira verbos intransitivos e transitivos indiretos atuando como dicendi. Exemplos retirados de Dom Casmurro, de Machado de Assis:

«– Tem razão, Capitu – concordou o agregado» (página 160).

«– Mas eu tinha pedido primeiro – aventurou Pádua» (página 44).

«– Coitado de Manduca! – soluçava a mãe» (página 122).

E, por último, a que mais me impressionou:

«Depois de lhe responder que sim, emendei-me: – Deus fará o que o senhor quiser» (página 41).

Gozam os autores do direito de «licença poética», sabemos bem. Mas existe algum padrão do que é certo ou errado nesses casos?

Resposta:

Podem usar outros verbos no discurso direto, com a finalidade de descrever ou avaliar a intervenção feita em discurso. Não vejo, portanto, que aqui se possa definir um padrão do certo ou errado, dependendo da criatividade do escritor o partido que se pode tirar de determinados verbos. Assim, se um verbo é adequado para referir o valor pragmático da intervenção, existe como virtualidade para dele se fazer um aproveitamento estilístico. Por exemplo, numa passagem como a seguinte:

– Agradecia que me desses a chave.

– Nunca! — explodiu ela.

O verbo intransitivo explodir é aqui usado em extensão metafórica, na aceção de «manifestar-se de maneira súbita e ruidosa» (cf. Dicionário Houaiss). 

Note-se que, pelos exemplos recolhidos pelo consulente, se pode concluir que os verbos que aí ocorrem mantêm uma relação semântica com os verbos declarativos, porque se relacionam com o comportamento sonoro e linguístico dos falantes.

Em suma, uma vez que não encontrei estudos sobre o funcionamento dos verbos em questão no contexto do discurso direto, considero que se trata de um tema interessante que aguarda uma investigação mais demorada.

Pergunta:

Relativamente aos processos irregulares de formação de palavras, podemos considerar presidente e clube como empréstimos?

Grata pela atenção dispensada.

Resposta:

Atualmente, é discutível considerar presidente como um empréstimo, porque há muito que a palavra faz parte do léxico português. Com efeito, segundo o Dicionário Houaiss, a palavra tem origem latina e está atestada desde o século XV.

O caso de clube é diferente: tem, de facto, origem no empréstimo do inglês club, assim atestado em português em 1799 e aportuguesado como clube, pelo menos, desde 1899 (cf. idem).

Pergunta:

Peço a vossa ajuda para a tradução do termo corporate. Por exemplo: corporate communications; corporate Web 2.0; corporate intranet.

Até agora, tenho-me servido dos termos empresarial ou «da empresa», que me parecem exprimir correctamente em português o sentido do original inglês. No entanto, leio com frequência as expressões «comunicação corporativa», «Web 2.0 corporativa» ou «intranet corporativa». Na minha opinião, o termo corporativo não exprime a mesma equivalência, pelo menos em Portugal (pode ser diferente no Brasil). Será que estou enganada?

Resposta:

Por influência do inglês, o adjetivo corporativo tem efetivamente ganho algum terreno em detrimento das opções propostas pela consulente. No entanto, empresarial ou «da empresa» continuam a ser formas preferíveis para os contextos em causa.

Pergunta:

«A luz do sol não sabe o que faz.» O o é um pronome demonstrativo. E o que?

Como posso dividir e classificar as orações desta frase? «O que faz» é uma oração subordinada substantiva completiva?

Resposta:

A expressão «o que» é um pronome interrogativo, quer no quadro da classificação tradicional quer à luz do Dicionário Terminológico (DT).1

Quanto a dividir a frase em orações, a perspetiva tradicional determina a seguinte análise (cf. João Andrade Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 24):

oração subordinante: «a luz do sol não sabe»

oração subordinada integrante (ou completiva): «o que faz»

A oração subordinada completiva «o que faz» é também uma interrogativa indireta, introduzida pelo pronome interrogativo o que.

É de assinalar, contudo, que no quadro sintático da linguística contemporânea, muitas vezes pressuposto pelo DT, a frase é geralmente analisada do seguinte modo (cf. ibidem):

frase matriz: «a luz do sol não sabe o que faz»

frase encaixada: «o que faz»

Refira-se, porém, que o DT não regista o termo frase matriz, embora inclua o termo subordinante, com a seguinte definição:

«Palavra, constituinte ou frase de que depende uma oração subordinada.»

Vemos, assim, que, de acordo com o DT, o termo

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem uma dúvida: o modo condicional tem tempos?

Encontrei em gramáticas antigas e recentes o seguinte: o modo condicional simples e composto flexionado sem referência a tempos; o modo condicional com o tempo do presente simples e o presente composto e o modo condicional com o tempo do presente simples e o pretérito perfeito composto.

Confesso que me sinto intrigada. Já tentei encontrar resposta no Dicionário Terminológico, mas não a encontrei.

Resposta:

Em Portugal, considera-se tradicionalmente que existe um modo condicional que compreende dois tempos: o presente do condicional (estimaria) e o pretérito do condicional (teria  estimado; cf. João António Lopes, Dicionário de Verbos Conjugados, Coimbra, Livraria Almedina, 1995).

Julgo que também é prática corrente falar em condicional simples (estimaria) e condicional composto (teria estimado). Mas não encontro referência que confirme o uso corrente das classificações referidas pela consulente. No Dicionário Terminológico, tal como ele se encontra disponível em linha, não se cruzam os modos verbais com os tempos verbais; contudo, é de supor que se mantenham os termos classificatórios tradicionais.