Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de recolher informação sobre as possíveis etimologias da expressão «ele há coisas».

Há alguma explicação sintáctica tradicional, ou várias? Ou trata-se antes de uma importação fonética de outra língua?

Resposta:

O uso do pronome ele como realização de um sujeito expletivo não parece ser importação de outra língua, visto que costuma ser identificado como traço de conservadorismo linguístico, conforme se lê na Gramática da Língua Portuguesa, de M.ª Helena Mira Mateus et al. (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 283, n. 5; mantém-se a ortografia original):

Exceptuam-se frases feitas como a exclamativa Ele há cada uma! e enumerações como Tudo está mais caro: ele é o leite, ele é a fruta, ele é o peixe. Em variedades dialectais mais conservadoras podem ocorrer sujeitos expletivos com verbos impessoais como em Ele choveu toda a noite.

Numa perspetiva tradicional, mas fundada no saber filológico, Augusto Epiphanio da Silva Dias, na sua Syntaxe Historica Portuguesa (2.ª edição, de 1933, pág. 21), considerava que se trata de uma construção da linguagem menos cuidada (mantém-se a ortografia original):

[...] Na conversação descurada não se extranha dar aos verbos impessoais por sujeito grammatical o pronome elle ou os pronomes: isto, isso, aquillo:

E porque isto he noite recolhamo-nos para o lugar (H[eitor) P[into], I, 406) Isto são dez horas ([António] Prestes, 125).

Não que elle ha morotos muito grandes na tropa!...

Pergunta:

Em português, devemos usar arromeno, ou aromeno, ou arumânico, ou arrumânico, ou arrumano, ou outro termo, ao fazermos referência a um idioma novilatino, com estreito parentesco com o romeno, atualmente com mais de trezentos mil falantes, dipersos pela Romênia e por países balcânicos, tais como Grécia, Sérvia, Albânia etc.?

Parece ser também um etnônimo ou gentílico, neste último caso, então, deve funcionar como substantivo e adjetivo, suponho.

Por favor, o veredito infalível, o do Ciberdúvidas, é óbvio.

Resposta:

Sem querer ser infalível (apesar da confiança no Ciberdúvidas que o consulente amavelmente manifesta), deve escrever-se arromeno, visto ser esta a forma que parece mais difundida, a avaliar pelos registos em dicionários (cf. Dicionário Houaiss e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). A palavra em apreço pode ser usada como substantivo e como adjetivo.

Pergunta:

Vim aqui para tirar uma breve dúvida sobre uma expressão, quanto à sua classificação morfológica. No alemão temos a expressão «Meine Großeltern väterlicherseits» («Meus avós por parte de pai»).

A expressão «por parte de pai» seria uma locução adjetiva? Ou uma locução prepositiva + substantivo?

Resposta:

A expressão «por parte de» é uma locução prepositiva, com o significado de «partindo de, vindo de», conforme se regista no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que apresenta os seguintes exemplos: «O pedido foi feito por parte dos interessados»; «Eles são primos por parte do pai».

Note-se que classificar globalmente «por parte do pai», ou «por parte de pai» (forma também possível) como locução adjetival é, quanto a mim, discutível, para não dizer inadequado, porque, embora recorrente (tal como «por parte da mãe» ou «por linha paterna/materna»), a expressão não parece ter atingido o grau de fixidez de uma verdadeira locução como «da cor do mar» ou «de ouro» (cf. Dicionário Houaiss, s. v. locução). Por isso, proponho que «por parte do pai» seja encarada como uma sequência de locução prepositiva e substantivo.

Pergunta:

Cada vez mais somos invadidos por estrangeirismos informáticos. Estou a orientar uns colegas que estão a escrever a tese de mestrado na área da Animação Digital. Um dos processos chama-se, em inglês, render. Em português do Brasil, utiliza-se renderizar, palavra que não consta no Priberam. Gostaria de saber o que será mais correto para utilizar na tese: Render, em itálico, ou o aportuguesamento da palavra, ficando assim renderizar.

Resposta:

A palavra inglesa render, tal como é usada em informática, surge referida no Dicionário Aulete Digital como base para a construção de renderização, a cuja entrada corresponde o significado de «[p]rocesso de computação gráfica que consiste em interpretar os gráficos de objetos e a iluminação, para então criar uma imagem finalizada, vista pela perspectiva escolhida». As páginas do sítio Linguee confirmam que renderização regista algumas ocorrências, como, por exemplo, «ferramentas de renderização», tradução de «rendering tools», onde «rendering» constitui o uso adjetival do particípio presente do verbo inglês render.

Quanto ao verbo deduzido de renderização, ou seja, o neologismo renderizar, em lugar de render (como sucede com outros estrangeirismos, aconselha-se o itálico quando ocorre em textos portugueses), verifico que, a respeito de dicionários elaborados em Portugal, nem o Priberam nem o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, acolhem o termo, seja na forma estrangeira, seja como aportuguesamento. De qualquer modo, já que renderizar é vocábulo bem formado, aceito o seu uso, ao mesmo tempo que sugiro que, por enquanto, em textos técnicos ou académicos produzidos em Portugal, se deixe um apontamento ou uma anotação a justificar a sua adoção.

Pergunta:

Gostaria de perguntar ao Ciberdúvidas se existe alguma regulamentação quanto ao emprego de certas palavras estrangeiras que não figuram no nosso vocabulário. A questão tem que ver com o termo shortlist (uma lista de finalistas) em que o cliente parece querer empregar a palavra remetendo-a depois para uma nota de rodapé onde será explicada. É possível fazer isso neste caso seguindo alguma regulamentação em vigor?

Resposta:

Não existe regulamentação, o que há são recomendações dispersas por gramáticas e prontuários contra o uso excessivo de estrangeirismos. Deste modo, é possível fazer o que é pretendido: usar o estrangeirismo e fazer uma chamada para uma nota de rodapé onde se apresenta o termo português correspondente.

No fundo, tudo dependerá da finalidade do texto: apesar de ser necessário evitar palavras estrangeiras, um tradutor ou um editor pode confrontar-se com textos de uma publicação, cuja linha editorial é justamente marcada pela ocorrência de estrangeirismos, com o argumento (discutível para certos estudiosos da língua) de que tal situação é sinal de modernidade; noutros contextos, o tradutor ou o editor pode intervir, suprimindo os estrangeirismos totalmente ou em grande parte, de modo a conferir à linguagem qualidades mais vernáculas.