Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Ao desembaracar, por seus gestos estranhos, deu pra ver que ele não era da cidade», «deu pra ver» é locução verbal? Pode haver preposição em uma locução?

Resposta:

Pode haver uma preposição depois de um verbo, dando-lhe um sentido especial, conforme se verifica no registo da locução «dar para», que, entre vários significados, apresenta o de «ser o suficiente para; bastar» («seu dinheiro não dá para nada»; cf. Dicionário Houaiss). Considerando que uma locução verbal «[...] é a designação da gramática tradicional para a sequência formada pelo verbo auxiliar e pelo verbo principal» (resposta de Sónia Valente Rodrigues), não se vê que no caso de «dar para ver» exista um auxiliar, pelo que não se pode falar de locução verbal. Mas nada impede que um verbo auxiliar se ligue a um verbo principal mediante uma preposição: «o céu começou a ficar azul».

A propósito das notícias sobre a greve que envolveu os trabalhadores da companhia aérea australiana Qantas, o exame atento de alguns serviços informativos em português revela que a forma de pronunciar esta denominação pode variar:

– Nas televisões portuguesas, ouve-se pronunciar “cantas”, dando ao q o valor de c na palavra canto (ver também aqui).

Pergunta:

Penso que, segundo a nova terminologia, já não se diz «área vocabular», mas, sim, «campo lexical».

Resposta:

Na verdade, a expressão «área vocabular» não faz parte do Dicionário Terminológico, que, no entanto, acolhe «campo lexical» («conjunto de palavras associadas, pelo seu significado, a um determinado domínio conceptual»).

Pergunta:

Ainda a tradução de underreaction e overreaction:

A tradução de underreaction e overreaction não poderá ser realizada com o recurso aos prefixos sub- e sobre- originando, portanto, subreacção e sobrerreacção, respectivamente?

Resposta:

O decalque das formas inglesas com base em prefixos e bases de derivação do português permite efetivamente criar os neologismos propostos pelo consulente. Contudo, as palavras em questão deverão ter não a grafia apresentada na pergunta, mas a que adiante se apresenta:

sub-reação

sobrerreação

No primeiro caso, o prefixo sub- é seguido de hífen, conforme sub-reptício. O Acordo Ortográfico de 1990 não é claro sobre o uso de hífen com sub- (inclui-o na lista de prefixos que seguem a regra geral da hifenização), mas na verdade este prefixo tem também de ser seguido de hífen antes de palavra começada por r.

Quanto a sobrerreação, pouco há a dizer, uma vez que segue a regra geral: o hífen só ocorre se a base da derivação começar pela letra em que termina o prefixo (sobre-exposição) ou por h (sobre-humano) De resto, aglutina-se à forma seguinte; se esta começar por s e r, dobram-se estas letras: sobrerrestar, sobressaturação (cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora).

Pergunta:

Qual seria o gentílico da Bastetânia, ou Bastitânia, antiga região da Península Ibérica?

Qual das duas formas acima elencadas é a melhor como topônimo da referida região?

Resposta:

As duas formas do corónimo estão corretas, tendo em conta que em latim existem Bastetānĭa e Bastitānĭa, conforme se regista no Dictionnaire Latin-Français de F. Gaffiot (edição de 1934). Para o gentílico, também o latim faculta o modelo, porque aceita formas em cujo radical alternam e e i: bastetāni, bastitāni, que se adaptam ao português como bastetanos e bastitanos, respetivamente.

Note-se que Bastitânia ou Bastetânia era o nome dado pelos romanos ao sueste da antiga Hispânia, abrangendo territórios das atuais províncias espanholas de Granada, Málaga, Almeria, Múrcia, Albacete e Jaén. O nome terá como base a forma Basti, nome de uma cidade, que hoje é conhecida como Baza (Granada).