Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Consultei as respostas existentes referentes ao vocábulo pixel e seu plural, na esperança de encontrar uma resposta para o plural de voxel, que vem na mesma linha de pixel, mas não o encontrei. Será que me podem dar uma ajuda?

Resposta:

Visto tratar-se de uma palavra estrangeira que surge por amálgama de outras duas palavras estrangeiras, volumetric e pixel (já de si uma amálgama de pix, variante de pisc, abreviatura de pictures, e element; cf. Online English Etymology), o plural é o usado na língua de origem, voxels. Recomenda-se que a palavra seja usada entre aspas ou em itálico, para indicar que não se trata de palavra vernácula.

Segundo um artigo em espanhol da Wikipédia, um voxel é «a unidade cúbica que compõe um objecto tridimensional».

Pergunta:

Com respeito à pergunta sobre a pronúncia de colite, respondida pelo Sr. Carlos Rocha, e estendendo o comentário sobre esse mesmo assunto que está na "Primeira Página" de hoje, ocorreu-me perguntar porque os Portugueses têm tanta preocupação com a correção da pronúncia das palavras, não considerando as variações regionais que ocorrem em qualquer língua.

No Brasil também temos variações, mas nenhum professor se preocupa em ensinar que a pronúncia de "colite" é com "o" fechado ou aberto; ele ensinará como fala em seu meio e se alguém encontrar diferente em outra região apenas constatará que ali se fala diferente. Vejo pelo meu caso: nasci no Nordeste e vim para o Rio de Janeiro aos 17 anos e aqui constatei, a princípio, que certas palavras me soavam estranhas; enquanto eu pensava em "dia", ouvia "djia"; enquanto pensava em "dois", ouvia "doich"; enquanto pensava em "dente" ouvia "dentche", mas isso nunca me trouxe a preocupação de que eu deveria pensar se estava certo ou errado ao falar diferente. Com o tempo absorvi o falar "carioca" e hoje já nem percebo, e quando volto ao Nordeste continuo falando "carioca", sem me preocupar com o fato de que lá aprendi diferente.

Talvez por isso que aqui se dá menos importância à aprendizagem do padrão (?) da língua falada, o que pode até parecer inaceitável aos linguistas; a mim, particularmente, preocupa, isso sim, o escrever correto, porque a língua escrita é a que fica e perpetua o idioma para os séculos futuros, seja pela manutenção, seja pelas alterações que por certo ocorrerão.

Concluindo, não importa aos Brasileiros, em geral, se a pronúncia correta é a do Norte ou a do Sul, ou qual seja; falamos a mesma língua e independentemente das divergências de pronúncia, entendemo-nos os 194 milhões se...

Resposta:

Estamos certamente a falar de comportamentos e atitudes que dizem muito acerca da cultura dos países ou de certas áreas geográficas. Em Portugal, existe realmente um forte condicionamento das variedades regionais por aquilo que se considera a norma, por sua vez apoiada num padrão, o do falar das classes cultas ou influentes do eixo Coimbra-Lisboa. A verdade é que este padrão está há bastante tempo descrito e valorizado como norma desde, pelo menos, o século XVIII. É um padrão curioso, porque, no contexto da variação regional, é basicamente um dialecto centro-meridional (ver classificação das variedades do português em Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, págs. 9-24), o qual, por um lado, aceita uma inovação do Sul, a monotongação do ditongo representado por ou, e, por outro, mantém em  muitos contextos, como ditongo, a pronúncia do ditongo que se escreve ei, ao contrário dos dialectos meridionais (onde se diz "manera", sem ditongo). De resto, a norma do português europeu rejeita características fundamentais dos falares setentrionais: a neutralização da oposição entre /v/ e /b/, resolvida como /b/ (daí, na metade norte de Portugal, a tendência para pronunciar "baca" em vez de [v]aca ou, em alternativa, por hipercorrecção, articular "voi" em vez de [b]oi); o chamado "s apical" (que ainda hoje se ridiculariza injustamente, referindo-o como traço definidor de um estilo apelidado de «falar axim») e a consoante africada [tʃ] (ainda articulada por certos falantes em palavras como chão, chave ou chapéu), que, no Sul e em quase todo o Litoral, há muito se confundiu com o x de baixo.

A preocupação pela pronúncia correcta é certamente devedora de uma prática que se encontra nas ...

«Ensino à distância» ou «ensino a distância»? Carlos Rocha propõe pistas históricas para a compreensão das duas formas em disputa e para a definição de um critério de uso.

Os argumentos apresentados por Pedro Múrias são robustos, realmente obrigando, se não a rever, a moderar a avaliação do uso de «à distância». No entanto, convém situar um pouco a questão:

Pergunta:

Gostaria de saber qual o plural da palavra escâner, bem como a maneira mais usual de escrevê-la (scanner ou escâner).

Grata.

Resposta:

Se usar o aportuguesamento escâner, faz o plural escâneres. Se preferir usar a forma inglesa scanner (entre aspas ou em itálico), acrescenta apenas um -s: scanners.

Quanto a saber qual é mais usual — se a forma inglesa, se o seu aportuguesamento —, diga-se que é muito frequente a ocorrência do anglicismo, apesar de, normativamente, se dever dar preferência ao aportuguesamento.

Pergunta:

Sabe-se que aqui no Brasil existe, penso que desde os finais da década de 50 e início dos anos 60, uma tendência de se pronunciar a letra L, em final de sílaba, como um /w/ ou U semivocálico. Fico sempre muito intrigado com esse fenômeno, pois vejo que é algo muito recente mas que já se espalhou por quase todas as regiões, e ocorre principalmente entre as pessoas mais jovens. Lembro que minha avó pronunciava os eles da maneira como se verifica na pronúncia do espanhol, pois não havia nenhum tipo de velarização. Ela dizia /bra'zil/ e não /bra'ziw/ ou /'alma/ e não /'awma/.

Qual a possível explicação para o surgimento deste fenômeno em tão pouco tempo?

Resposta:

A vocalização do /l/ a fechar sílaba deve ser fenómeno antigo nos dialectos do Brasil e, em muitas regiões, deve ser anterior aos anos 50 do século passado. Com efeito, ouvindo no YouTube a pronúncia cantada de arquivos antigos de filmes, nota-se que Francisco Alves (filho de portugueses) e Cármen Miranda (também filha de portugueses), interpretando Sonho de Papel, pronunciam l final, mas Mário Reis, interpretando Teatro da Vida numa sequência do filme Alô, Alô, Carnaval (1936), já parece vocalizar essa consoante.

Note-se que, em diferentes línguas, não é invulgar que o l que fecha sílaba, se a articulação for velar, passe à semivogal velar [w]. Além disso, em português europeu, o /l/ que trava sílaba já é velarizado, sendo representado pelo símbolo [ɫ]: alto, [ˈaɫtu]; mal, [maɫ]; a vocalização da consoante assim articulado é uma evolução previsível. Ivo Castro, na Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, 2006, pág. 230), refere-se a esse facto:

[...] [N]as palavras acabadas em -al, -el, -il, ol1, a consoante final soa velarizada em Portugal [ɫ], mas no Brasil a sua abertura progrediu e está transformada numa semivogal, pelo que aquelas terminações soam [aw], [ɛw], [iw], [ɔw].

1 Também em -ul: azul, [aˈzuw].