Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

De onde veio o nome Nídia, de que país?

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, explica assim a origem deste nome:

«Nome de personagem do romance Os Últimos Dias de Pompeia (1834), de lorde Bulwer-Lytton (1803-1873). Não sei como este o criou. Há o masc[ulino] Nídio [...].»

O sítio Behind a Name, dedicado à etimologia dos nomes próprios ingleses, regista a forma Nydia, que está na origem de Nídia. Infelizmente, pouco acrescenta ao que diz Machado, quando, sem outros esclarecimentos, apenas aventa a hipótese de o nome ter origem no latim nidus, «ninho».

Pergunta:

Sou estudante de Direito, redigindo meu trabalho de conclusão de curso (monografia) e estou com dificuldades de encontrar a origem da palavra "res". Há nos dicionários rés e rês, mas não "res". Sei que "res" é palavra de origem estrangeira, mas preciso estar certa do que vou dizer para citar em meu trabalho científico. Geralmente nos utilizamos do latim e do grego em nossos livros, talvez até seja de alguma dessas línguas, mas não consegui descobrir. Juridicamente, definimos "res" como coisa. Mas preciso primeiro explicar a origem da palavra para, então, chegar ao seu significado.

Agradeço muito se puderem me ajudar.

Resposta:

A palavra em questão é latina, pelo que não tem de ter entrada num dicionário geral de língua portuguesa. No entanto, num dicionário como o Dicionário Houaiss pode encontrar informação sobre ela, quer nos apontamentos etimológicos de palavras portuguesas como república, real e reivindicação quer no verbete da entrada re(i)-, elemento de composição detectável nessas palavras. Por isso, podemos saber que «[...] res, rei [significa] "bem, propriedade, coisa, assunto, negócio"; ocorre em voc[ábulo] formado no próprio lat[im], como república (doc[umentado] na língua desde o sXV [...]), e em cultismos do sXIX em diante: irreal, irrealidade; real "verdadeiro", realidade, realismo, realista, realização, realizador, realizável, realizar; reificação, reificado, reificador, reificar, reificável, reivindicação, reivindicar, revindi{#c|}ta; surrealismo, surrealista» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Desejo saber como se pronuncia «tempus edax rerum».

Resposta:

Segundo o Moderno Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, a expressão latina «tempus edax rerum» significa «tempo devorador das coisas» e é da autoria do poeta Ovídio (Metamorfoses, XV, 234). 

Três pronúncias são possíveis:

a) tradicional: pronuncia-se como se se tratasse de uma sequência escrita em português, mas com o "x" a valer [ks];

b) eclesiástica: o s de tempus soa sibilante ("tempuss"), o x, [ks], e o -m de rerum é articulado como consoante ("rérume"), não sendo marca de nasalidade (não se diz "rerũ");

c) restaurada: no caso desta expressão, soa praticamente como a pronúncia descrita em b).

Nas três formas de pronunciar, o acento tónico de cada palavra recai sempre na penúltima sílaba: «têmpus édax rérũ» (pronúncia tradicional) ou «témpus édax rêrum» (pronúncias eclesiástica e restaurada).

Pergunta:

«Apesar disso ainda há gente tonta que imagina que/

Se possa continuar a governar/

Com as artimanhas da velha política/

Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...»

Cito um extracto de uma tradução de um pequeno texto-brincadeira que circula na Internet. Lido do princípio para o fim, tem um sentido; lido do fim para o princípio, revela sentido inverso. Para tal, deve respeitar-se a mudança de linha e escolher estruturas que permitam a brincadeira em português. A dificuldade está aqui: se se respeita a gramática e se escreve "gente tonta que imagina que se pode governar", ou seja, o verbo imaginar seguido, como é correcto, de verbo no indicativo, a leitura do fim para o princípio não é possível. Pensei assinalar aos meus estudantes que, neste caso, se poderia recorrer ao erro que por vezes é cometido na língua corrente. O que vos parece? Demasiado artificial? Obrigada pela vossa resposta.

Resposta:

O verbo imaginar pode seleccionar uma oração completiva finita, cujo verbo pode estar no indicativo ou no conjuntivo (informação e exemplos de Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994):

1. «Pois, olha, eu imaginava que ainda estavas a viver com os teus pais.»

2. «Imaginava que ainda estivesses em Lisboa – Que surpresa!»

Não há, portanto, desrespeito da gramática aquando se escreve «gente tonta que imagina que se possa governar...», se com a frase se quer reforçar o carácter imaginário do conteúdo da completiva. É este uso que permite a leitura do fim para o princípio da sequência que apresenta.1

1 Devo assinalar o carácter truncado do texto-brincadeira, na leitura do princípio para o fim, porque à sequência «Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...» falta acabar a oração subordinada final introduzida por «para que».

Pergunta:

Nos termos cefalorraquidiano e cerebrorraquidiano, a primeira sílaba é tónica, isto é, os seus elementos iniciais pronunciam-se tal e qual como nas palavras céfalo e cérebro?

Muito agradecido às excelentes Ciberdúvidas por mais este esclarecimento.

Resposta:

As transcrições fonéticas de palavras que incluam os radicais cefalo- e cerebro-, disponíveis no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, apresentam:

cefalorraquidiano com e mudo (o que ocorre na preposição de) na sílaba ce-;

cerebrospinal (não existe a entrada cerebrorraquidiano): com e aberto na sílaba ce-, pelo que é de admitir que cerebrorraquidiano também se pronuncia com essa vogal na primeira sílaba.

Note que, ainda em relação a cefalorraquidiano, o mesmo dicionário regista cefalotórax com e aberto na sílaba ce, o que sugere que o radical cefalo- pode também ter e aberto mesmo quando não recebe o acento principal dos compostos eruditos (morfológicos) em que intervém.