Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A UAI decidiu em 2006 retirar a Plutão o estatuto de planeta e criou uma nova classe chamada dwarf planets em inglês e cujo termo serve para descrever um corpo que não é considerado um planeta mas que partilha algumas características. Houve até uma altura em que as próprias luas eram referidas como «planetas menores». A palavra em português para descrever esta classe de corpos mais usada é «planeta anão». Deverá, ou não, levar hífen? E qual será a melhor forma plural?

Resposta:

O hífen não é obrigatório porque a expressão é constituída pelo substantivo planeta e pelo adjectivo que o qualifica, anão. O hífen só aparecerá se a expressão passar a constituir um todo semanticamente autónomo, indecomponível nas significações dos seus constituintes, como acontece no caso do contraste entre segunda-feira («amanhã é segunda-feira») e «segunda feira» («esta é a segunda feira que se realiza aqui este ano»).

O plural de «planeta anão» segue a regra geral da concordância (o adjectivo concorda com o substantivo que qualifica): «planetas anões».

Pergunta:

À luz do novo dicionário terminológico, qual a subclasse a que pertence o advérbio eis?

Resposta:

Não encontro termo do Dicionário Terminológico (DT) que se adapte à características de eis. Penso que isso se deve à dificuldade de enquadrar eis numa das classes de palavras conhecidas.

Mesmo num quadro tradicional, a classificação de eis como advérbio não é consensual. Na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, regista-se o termo advérbio de designação, que gramáticas que a adoptaram (p. ex., J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora, pág. 301) aplicaram à palavra eis. Contudo, a Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959 (NGB) propõe sem concretizar uma classificação à parte para certas palavras de estatuto adverbial duvidoso. Em consonância com a NGB, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 549) classificam eis como palavra denotativa de designação, com a seguinte advertência:

 «[...] tais palavras não devem ser incluídas entre os advérbios. Não modificam o verbo, nem o adjectivo, nem outro advérbio. São por vezes de classificação extremamente difícil. Por isso, na análise, convém dizer apenas: "palavra ou locução denotadora de exclusão, de realce, de rectificação", etc.»1

Com advertência, é legítimo entender que Cunha e Cintra con...

Pergunta:

A origem e o significado de Marante?

Resposta:

Como apelido, é aportuguesamento do também apelido francês Marant, segundo diz José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Sobre a história deste nome na língua francesa, a fonte consultada nada diz, nem sei de obra que o esclareça.

Pergunta:

Se extra é adjectivo e nessa medida deverá concordar em género e número com o vocábulo que qualifica, como, supostamente, em «horas extras» (prefiro «horas extra», como aprendi e sempre usei), então deveríamos grafar «carros extros» e assim sucessivamente... Ou não?

Resposta:

Não, porque há adjectivos que têm flexão de plural mas uma só forma para os dois géneros — diz-se que são adjectivos uniformes (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, p. 255/256). Por exemplo, diz-se «exército hitita» e «exércitos hititas»; porém, não se aceita «império "hitito"». Por conseguinte, adoptando o modelo dos adjectivos uniformes terminados em -a, como são os casos de hitita, hipócrita ou cosmopolita, pode usar-se extra no plural, sem que isso acarrete a formação de "extro" para o masculino.

Mas aceitemos que extra é adjectivo invariável. A este respeito, cabe logo aqui dizer que não há consenso entre dicionários, vocabulários ortográficos e prontuários. O Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, o Vocabulário Ortográfico do Português (ILTEC) e o Dicionário de Dúvidas, Dificuldades e Subtilezas da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições D. Quixote, 2010), de Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão, indicam que extra adjectivo é invariável; o Dicionário de Questões Vernáculas (Rio de Janeiro, Edições Ática, 2001), de Napoleão Mendes de Almeida, o Dicionário Aulete Digital e o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa registam o uso adjectival de extra no plural. Acresce que, não se afastando desta segunda posição, o Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, classifica a palavra como adjectivo dos dois géneros sem se referir à possibilidade ou impossibilidade de fo...

Pergunta:

Já encontrei no vosso site (que é de grande interesse) várias referências a este problema, mas não encontrei referido nada em relação ao significado de impacte/impacto. Eu sou estudante de Engenharia do Ambiente e como tal estamos habituados a lidar com «impactes/impactos ambientais» e existe "guerra aberta" entre quem usa uma forma ou outra da palavra. Segundo uma das explicações que uma professora me deu (defensora do uso de impacte, devo acrescentar) quando se fala de impacto — na Engenharia e Física — falamos da grandeza física de dois corpos que colidem, ou seja, impacto está ligado ao mundo da física e, particularmente, os impactos ambientais estão ligados apenas às consequências físicas para o meio de determinado projecto, sendo que impacte seria o conjunto destas consequências físicas com as socioeconómicas.

Eu não tenho qualquer tipo de interesse nesta "guerra", apenas gostaria de saber qual deve ser a forma usada em português correcto. «Impacto», ou «impacte ambiental»?

Resposta:

A forma impacte como alternativa a impacto encontra-se atestada só em dicionários gerais publicados em Portugal, mas sem estes confirmarem claramente o contraste semântico apontado pelo consulente. Por exemplo, o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (DLPPE) acolhe impacte, «efeito forte provocado por algo ou alguém; impacto», e impacto, em quatro acepções: 

«1. choque de dois ou mais corpos, embate, encontrão
2. colisão entre dois corpos, com a existência de forças relativamente grandes durante um intervalo de tempo muito pequeno
3. (figurado) abalo provocado por um acontecimento doloroso ou chocante
4. (figurado) impressão profunda provocada por uma ocorrência grave ou inesperada» 

À primeira vista, dir-se-ia que impacto é relativo a um choque encarado como evento, enquanto impacte se aplica ao efeito desse choque. Mas, na verdade, quando observo as acepções 3 e 4, sou levado a concluir que também a noção de efeito se associa a impacto. Em suma, o contraste entre as duas formas não parece semântico. Porém, a expressão «impacte ambiental» é susceptível de apontar para a cristalização do uso impacte nesse contexto, com a seguinte definição:

«conjunto das alterações produzidas pelo Homem a nível ambiental numa determinada área que afectam directa ou indirectamente o bem-estar da população assim como a qualidade dos recursos ambientais»

Contudo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa acolhe «impacto ambiental», o que sugere que nem sequer nesta expressão se consegue inferir que entre impacte e