Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há algum adjetivo relativo ao rio Elba, às terras por ele banhadas, aos seus ribeirinhos, etc.?

Este rio nasce na Chéquia e deságua no mar do Norte, em Cuxhaven, Alemanha?

Muito obrigado.

Resposta:

Em português não há termo consagrado, pelo que pode dizer elbense ou elbês, não sendo ainda de excluir uma forma como elbiano.

Quanto à segunda pergunta, penso que o consulente não estará à espera de eu confirmar a localização da nascente e da foz do rio Elba. Calculo, portanto, que pretenda uma resposta sobre a correcção das formas que menciona. Sobre Chéquia já existe resposta, e sobre Cuxhaven há apenas a dizer que não encontro dicionarizados os respectivos aportuguesamentos.

Pergunta:

Antioqueno, antioquense, antioquiano são gentílicos de Antioquia da Síria (atualmente na Turquia) ou valeriam também para a Antioquia da Písida, antiga região da Anatólia, hoje também integrante do território da Turquia? Designariam os naturais e habitantes dessas cidades na Antiguidade e também nos tempos hodiernos?

Há também antióquio, ou antioquio. Ele funciona apenas como adjetivo?

Antioqueu existe? Se a reposta for afirmativa, podeis dizer-me se se trata apenas de adjetivo ou substantivo também?

Haveria outras denominações ainda?

Muito obrigado.

Resposta:

Usam-se as mesmas formas da Antioquia síria: antioquiano, antioquense, antioqueno (adjectivos; com maiúsculas se forem substantivos; ver F. rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966). Não sei de indicação que as atribua apenas a uma época histórica, pelo que julgo possível usá-las em referência tanto à Antiguidade como à actualidade.

Acrescente-se que, segundo Luiz Autuori e Oswaldo Proença Gomes (Nos Garimpos da Linguagem, Livraria São José, 4.ª edição), que escrevem uma forma não recomendada, "Antióquia", as formas do gentílico respectivo são antioquenho e antioqueno.

Ao contrário do consulente, não encontro as formas "antióquio" ou "antioqueu", mas verifico que ocorre antioquio no dicionário Aulete Digital.

Pergunta:

Algarvio, beiraltino, duriense, estremenho, minhoto, ribatejano e trasmontano são, respectivamente, os gentílicos das seguintes antigas províncias portuguesas: Algarve, Beira Alta, Douro Litoral, Estremadura, Minho, Ribatejo, Trás-os-Montes e Alto Douro.

Açoriano e madeirense, dos Açores e da Madeira, as quais continuam existindo como entidades de cunho administrativo, territorial e político.

Duriense, todavia, só faz menção à região do Douro, nada dizendo de sua condição litorânea, como seria de se esperar, talvez porque se refira a uma região chamada de Douro, anterior no tempo a Douro Litoral, mais recente. Este é a razão pela qual tenho dúvidas a respeito deste gentílico.

Trasmontano tem como variante transmontano. As duas formas parecem, no entanto, referir-se apenas a Trás-os-Montes, pois nada há nele que lembre o Alto Douro, motivo pelo qual eu estou inseguro quanto a estes dois pátrios também.

Quanto aos gentílicos das regiões da Beira Baixa, Beira Litoral, Alto Alentejo, Baixo Alentejo, nada sei. Quais seriam eles?

Beirão e alentejano parecem referir-se às regiões da Beira e do Alentejo, antes da sua divisão em cinco províncias.

Por favor, os esclarecimentos ...

Resposta:

Os gentílicos que enumera estão correctos, mas cabe aqui fazer breves comentários, com base no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, que regista as formas seguintes:

a) baixo-duriense, que pode ser usado em referência ao Douro Litoral

b) alto-duriense, relativo ao Alto Douro;

c) alto-beirão, relativo à Beira Alta (o Dicionário Houaiss regista beiraltino);

d) baixo-beirão, relativo à Beira Baixa;

e) alto-alentejano, relativo ao Alto Alentejo;

f) baixo-alentejano, relativo ao Baixo Alentejo.

Note que, para a Beira Litoral, não há designação especial e que, a respeito das Beiras, se usa simplesmente beirão. Já para a região do Douro, costuma-se empregar duriense mais como gentílico correspondente à região vinhateira do Alto Douro (que abrange a sul terras que já pertencem à Beira Alta), embora a palavra se aplique a qualquer natural ou residente das regiões ribeirinhas do Douro. Finalmente, em Portugal, usa-se sobretudo trasmontano em referência a Trás-os-Montes, embora alguns dicionários (Dicionário Houaiss) remetam essa forma para transmontano, que também é corrente.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da palavra "panapana" (ou "panapanã"). O vocábulo é o coletivo de borboletas, em geral, ou designa apenas a reunião de uma espécie de borboletas em determinadas épocas do ano, segundo a tradição indígena?

Resposta:

Pouco tenho a acrescentar a respostas anteriores sobre esta palavra (ver Textos relacionados). Com base em dicionários gerais, concluo que panapaná, panapanã ou panamá são formas que podem ter os dois significados:

Dicionário Houaiss (2001):

«[em entomologia] bando de borboletas em migração»; «aglomeração de borboletas de várias spp., ger. reunidas para sugar sais minerais em terra úmida à beira de rios».

Aulete Digital:

«bando de borboletas, que migram em certas épocas, formando verdadeiras nuvens.»

Pergunta:

Nasci, cresci e vivi no Pego, uma aldeia do concelho de Abrantes. Toda a gente na minha terra pronuncia "Pégo", pese a inexistência do acento. Contudo, os demais pronunciam "Pêgo". Posso utilizar a analogia Pego-Cego para explicitar a razão de uma aldeia?

Resposta:

O Dicionário Houaiss indica que a entrada pego, definido como «ponto mais fundo de curso fluvial, lago etc.; poço, poção», tem é aberto. Note-se todavia que no mesmo Dicionário Houaiss se admite, em nota etimológica, a variante "pêgo", com é fechado, o que parece explicar a variação detectada pelo consulente.

Quanto à relação de pego com cego, os fenómenos fonéticos que deram origem à sequência -ego em pego são diferentes dos verificados em cego. Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra tem origem no «lat[im] pelăgus,i, "pélago, mar alto", e este, empr[és]t[imo] gr[ego] pélagos, eos ou ous "alto-mar, um mar determinado"; fig[urativamente] "perigo", através de peego, com queda do -l- e assimilação vocálica, depois, pego é ou ê com crase; f[orma] div[er]g[ente] vulg[ar] de pélago [...]». O adjectivo e substantivo cego tem origem no latim caecus, a, um, «cego», «escuro, negro, obscuro, espesso» e (figurativamente) «obscurecido, deslumbrado» (idem), palavra em que o antigo ditongo latino ae evolui para um é breve, ĕ, e depois, no latim vulgar, para um é aberto, [ɛ].

Sendo assim, recomendo Pego, com é aberto, embora não me pareça que "pêgo" seja pronúncia  condenável.