Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quais são os gentílicos dos estados americanos da Virgínia e da Pensilvânia?

Muito obrigado.

Resposta:

Não acho em dicionários gerais o gentílico correspondente a Virgínia, mas sabendo que o de Virgínia (Minas Gerais) é virginense (Dicionário Houaiss, 2001), porque não aceitar esta forma? Outra possibilidade é virginiano, muito embora esta palavra se use para designar os que nasceram sob o signo de Virgem. De qualquer modo, como tenho dito ou deixado implícito em várias respostas, sem forma dicionarizada ou de uso corrente, não posso adiantar que forma deve ter o gentílico.

Quanto ao gentílico de Pensilvânia, o Dicionário Houaiss consigna a forma pensilvaniano.

Pergunta:

Na vossa entrada 11 035 consideram e ai parónimas e não dão a indicação de que podem ser homógrafas imperfeitas. Mas na entrada 27 405 consideram-nas homógrafas imperfeitas.

Será mais pacífico ou correcto considerar o acento gráfico como uma diferença de escrita e então palavras como ai e , duvida e dúvida, pára e para serão parónimas? Ou será mais correcto considerá-las homógrafas (imperfeitas)?

Resposta:

Sobre palavras que se escrevem com as mesmas letras mas que diferem quanto à acentuação gráfica, diga-se que a terminologia gramatical não estabilizou, pelo que esses vocábulos são enquadráveis tanto entre as palavras parónimas como entre as homógrafas imperfeitas.1 O Dicionário Terminológico não aborda estes casos nos exemplos que apresenta na secção E.5.


1 Uma solução é a adoptada pelo Dicionário Houaiss, que, apontando a existência de duas possibilidades terminológicas, define claramente a sua opção:
«[N]este dicionário, incluímos entre os parônimos (rubrica par) os vocábulos que se escrevem com as mesmas letras, mas que diferem quanto à acentuação gráfica e ao timbre (papéis [pl. papel] e papeis [v. papar]), para os quais tb. se usa a denominação de homógrafos imperfeitos.»
 

Pergunta:

«Não despertemos, onde dorme, a erinis

«Que cada gozo trava.»

Ricardo Reis, ode XIX

"Erinis"? Significado, classe gramatical, etc.

Grato.

Resposta:

A palavra, que é substantivo próprio do género feminino, deve ser usada com maiúscula inicial. Entre os antigos Gregos, as Erínies ou Erínias (Erínis no singular; cf. F. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966 e M.ª Helena T. C. Ureña Prieto et al., Do Grego e do Latim ao Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995, pág. 149) ou Euménides (cf. eumênide, dicionário Aulete Digital) eram divindades que atormentavam os criminosos nos infernos. Os Romanos chamavam Fúrias a estas figuras mitológicas.

Pergunta:

É legítimo utilizar as grafias "Acrotíri" e "Decélia" para as duas bases militares britânicas na ilha de Chipre, que usualmente vemos transliteradas como "Akrotiri" e "Dekhelia"?

Muito obrigado.

Resposta:

Quanto ao primeiro nome, que em grego é Ακρωτήρι, verifico que a forma espanhola é Acrotiri, com acento na penúltima sílaba, a qual pode ser transposta para o português respeitando as regras da acentuação gráfica; donde, Acrotíri.

Sobre o segundo, devo observar que a transliteração "Dekhelia" não é mais adequada, porque em grego moderno a palavra escreve-se Δεκέλεια, cujo κ (capa) costuma transliterar-se por k ou c e não por kh (este dígrafo é a transliteração da letra χ, cujo nome é qui). É certo que nomes em grego clássico em princípio ou têm forma tradicional em português ou são adaptados ao nosso idioma, segundo certos critérios que passam pela latinização desses nomes. Mas se o nome pertence ao grego moderno e não tem tradição clássica, já se torna mais difícil aplicar os referidos critérios. Mesmo assim, observe-se que M.ª Helena T. C. Ureña Prieto et al., em Do Grego e do Latim ao Português (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995, pág. 146), registam as formas toponímicas Deceleia e Decelia1, correspondentes ao grego antigo Δεκέλεια, ασ. Admitindo a identidade entre a forma antiga grega e a forma actual cipriota, parece-me que a forma portuguesa mais correcta é a que corresponde à grega antiga, ou seja, Deceleia ou Decelia.

1 Já registadas por Rebelo Gonçalves, op. cit.

Pergunta:

Qual o adjetivo relativo ao rio Meno (Alemanha), aos seus ribeirinhos e às terras por ele banhadas? Este adjetivo, se existe, serviria também como substantivo quando se refere aos ribeirinhos?

Muito obrigado.

Resposta:

O nome Meno é, segundo Rebelo Gonçalves (Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966), «equivalente vernáculo do alemão Main». No entanto, este autor não consigna termo gentílico correspondente; também não encontro termo consagrado noutas fontes, pelo que são possíveis várias formas. No entanto, convém transcrever uma observação no Dicionário Houaiss (2001) que me parece também útil para gentílicos pouco ou nada usados, correspondentes a geónimos com forma portuguesa:

«[...] é mister ter presente que, nos geônimos sem tradição própria dentro da língua e quando seus gentílicos não são introduzidos pré-formados, a tendência predominante é recorrer a -ense, raro a -ês, ou -ano, ou -ita (queniense, paquistanês e paquistanense, cambojano, vietnamita) [...].»

Tendo isto em conta, porque não "menense" ou "menês"? Trata-se de meras sugestões que terão de ser validadas pelo uso, se é que alguma vez se poderá fixar a forma de tal gentílico. Para mais, este será relativo à região atravessada por um rio cujo nome em português só é mencionado quando se impõe a necessidade de referir a cidade de Frankfurt am Main pelo seu equivalente português, Francoforte do Meno, eventualmente para a distinguir da menos conhecida Frankfurt am Oder, em português Francoforte do Óder (ver Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Coimbra, Atlântida Editora, 1947, p. 352, n.4).

Sobre os limites da criação de regras ou de padrões para a construção de gentílicos, convém aqui transcrever o que se lê na