Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
436K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Recentemente, consultei o Ciberdúvidas a respeito do gentílico da Bucovina, região romena, e, como resposta, me foi enviado um correio eletrônico apontando um parecer do nuperfalecido consultor Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca exarado, em 17 de janeiro de 2008, para uma consulente portuguesa sobre o tema da minha consulta deste ano de 2010. [...]

Pois bem, em que pese a alta erudição do Sr. Fernando da Fonseca, atrevo-me a dizer que são bastante discutíveis as formas por ele abonadas para os gentílicos das regiões romenas. Examinarei abaixo caso por caso.

A julgar pelo o que se lê, o gentílico da Bucovina seria "bucovineano", e não "bucovino", como eu cuidava. Ocorre que a terminação –eano somente aparece em gentílicos derivados de topônimos terminados em –eia ou -eio, sendo o e parte do topônimo antes ia ou io finais. Neste caso, o sufixo é apenas –ano. Em português, há –ano antecedido por e, em casos como o mencionado, -ano não antecedido de e, e –iano. O que digo é o que se depreende do que afirmou o saudoso João Carreira Bom em uma resposta sua de 13 de julho de 1999. Então, como Bucovina não termina em –eia ou –eio, "bucovineano" só pode estar errado.

Por outro lado, bucovino e suas variações bucovina, bucovinos, bucovinas estão de acordo com a formação de gentílicos a partir de topônimos terminados em –ina e –inas. Exemplos: de Filipinas, se fizeram filipino(s), filipina

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas observações sobre a formação dos gentílicos que refere. A resposta em causa vai ser reformulada.

Sobre os nomes de países (corónimos discutidos na pergunta e respectivos gentílicos):

Bucovina (ou Bucóvina, conforme indicado no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves): tem razão o consulente em relação aos gentílicos, que deverão ser bucoviniano ou bucovino.

Olténia, Ruténia, Munténia:com a excepção de Ruténia, que tem o gentílico ruteno (forma registada por R. Gonçalves, op. cit.), não há gentílico registado em dicionário nem forma consagrada, pelo que as formas constituídas pelos radicais de Olténia e Munténiaolten-, munten- — podem ter associadas as terminações -io ou -iano ou até simplesmente verem acrescentado o índice temático -o (ou -a para o feminino), de forma a criar olteno e munteno.

Dobruja (e não "Dobrogea", forma romena): é a forma portuguesa, registada em enciclopédias publicadas no séc. XX em Portugal (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura); não existe forma gentílica tradicional nem dicionarizada, pelo que são possíveis dobrujano, dobrujês, dobrujense

Banato (melhor que Banat; ver José Pedro M...

Pergunta:

Qual a origem etimológica e o significado de Ferragudo?

Resposta:

Ferragudo é topónimo que tem origem provável em Ferro Agudo, alcunha atestada em Portugal desde o século XIV (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Nos serviços de saúde e de segurança social da Austrália, verificam-se muitas traduções da palavra inglesa carer para cuidador, e carer services para «serviços de cuidados», o que me soa estranho, pois parece-me que cuidado é uma coisa que se tem, e cuidadoso uma coisa que se é, e não uma coisa que se serve. Ex.: «Eu tenho sempre cuidado em lavar as mãos antes de comer.» Ex.: «Eu sou cuidadoso com o meu pai.»

Não seria melhor usar-se a palavra assistente («aquele que presta assistência») ou «prestador de serviços de assistência» ou mesmo ajudante, empregado ou até criado?

Resposta:

Carer pode ser traduzido como cuidador, e não como cuidadoso. Cuidador é palavra dicionarizada, mas concordo que, pelo menos, em Portugal, as soluções propostas pela consulente são mais adequadas.

Pergunta:

Nos textos teóricos de estudos de tradução em inglês surge o termo transeme, cujo significado é unidade textual compreensível. Será que já há equivalente em português? E será correcto dizer "transema"?

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Como se trata de um termo especializado, empregado nos estudos de tradução, é difícil dar-lhe uma resposta segura, porque muito depende das comunidades académicas em que o termo tenha de ser aportuguesado. Seja como for, a solução transema  parece-me adequada, pelo menos, na medida em que o inglês seme e o francês sème correspondem à forma sema em português (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Qual é a função sintáctica dos constituintes iniciados por além nas frases «Além dos benefícios para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento» e «Além de ser benéfico para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento»?

Obrigado pelo vosso excelente contributo para o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa.

Resposta:

Começo por fazer algumas correcções à primeira frase, de modo a melhorar a articulação entre orações. Sugiro duas formulações: «além dos benefícios que tem para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento» e «além de ter benefícios para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento».

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), válido em Portugal, trata-se de uma estrutura de articulação entre constituintes, equivalente a uma estrutura de coordenação:

(1) «Além de ter benefícios para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento.»1 = «O desporto é um excelente entretenimento e tem benefícios para a saúde.»

(2) «Além de ser benéfico para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento.» = «O desporto é um excelente entretenimento e é benéfico para a saúde.»

1 É curioso observar que «além dos benefícios que tem para a saúde, o desporto é um excelente entretenimento» parece aceitável do ponto de vista da sua coesão. Considero que tal se deve ao facto de a oração relativa «que tem para a saúde» ter um sujeito que é co-referente da oração principal «o desporto é um excelente entretenimento»; paralelamente, a oração localiza «os benefícios» em relação a esse sujeito («X tem benefícios»), assegurando que toda a frase remeta para o mesmo tópico («sobre o desporto, diz-se X»).