Pergunta:
A língua portuguesa é rica em sutilezas e opiniões diversas sobre o mesmo tema. Consultei hoje, agora mesmo, uma resposta dada pelo sempre respeitável professor Carlos Rocha sobre o uso do indicativo ou subjuntivo na seguinte frase: «De resto, não tenho dúvidas de que a FMU é/seja uma excelente faculdade.» Disse o sábio professor que o enunciador assume o valor de verdade se usar o indicativo, ao passo que, se usar o subjuntivo, deixa uma ponta de dúvida quanto à veracidade da afirmação. Há algum tempo, consultei outra resposta dada pelo também respeitável professor José Neves Henriques (21/03/2001) sobre a seguinte dúvida relacionada ao mesmo tema: «Não há dúvida de que ele está (ou esteja).» Segundo sua opinião, a negação da dúvida torna o fato real, certo, absoluto, por isso empregamos o modo indicativo. Com base nessa opinião, jurava, usando uma expressão do consulente Mauro Pinho, ter exterminado tal dúvida. Segundo minha humilde opinião, se uma pessoa diz que «não há dúvida» ou «não tenho dúvida», deve ter elementos suficientes para emitir tal juízo, semelhante a «tenho a certeza». Se houver alguma dúvida, acho melhor expressar «há dúvida» ou «tenho dúvida». Senão, fica difícil entender a intenção do falante, pois, ao mesmo tempo que diz «não tenho dúvidas», restando clara a certeza absoluta do fato ou afirmação (com base em experiência pessoal, opiniões de terceiros que lá estudaram, consulta ao MEC, mercado de trabalho etc.), logo em seguida usa o subjuntivo (seja), deixando dúvida quanto à negação da dúvida.
Grato pela forma sempre cordial com que respondem às nossas dúvidas.
Resposta:
Agradeço o comentário enviado, que me permitiu fazer uma pequena correcção na minha resposta. De qualquer modo, mantenho o que aí digo em substância: depois de «não há dúvidas» ou «não há dúvida» ou até «não duvido» e restantes formas do verbo duvidar na negativa, o verbo da subordinada completiva pode encontrar-se nos dois modos, no indicativo ou no con/subjuntivo.
Encontramos esta mesma alternância depois da negação do verbo duvidar num exemplo retirado de Maria Helena de Moura Neves, Gramática de Usos do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2000, pág. 359) e que a seguir se transcreve:
1) «Não duvido de que o fosse [fosse justo], mas era também rico.»
Esta frase pode ser convertida noutra, com completiva de indicativo:
2) «Não duvido de que o era, mas era também rico.»
A diferença entre 1) e 2) reside no facto de o con/subjuntivo indicar que «não duvidar» é acreditar numa afirmação produzida por outrem, podendo a maior parte de 1) ser parafraseada assim:
3) «Não duvido dessa afirmação, a de que ele era justo.»
Trata-se de uma alternância que também ocorre com verbos que exprimem crença, conforme descrevem M.ª Helena Mira Mateus e outras, na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 266):
«Em frases completivas, a negação na oração principal pode afectar a selecção de modo. Os exemplos seguintes mostram alguns desses casos, com verbos que admitem ambos os modos.
(97) O Rui não acredita que a Ana tenha partido/partiu/parta/vai partir.
(98) O Rui não acreditou que a Ana partiu/partisse/tivesse...