Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
436K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Se, como diz FVP Fonseca em A fonética de equino e equidistante, o -u de equino é para ler, porque o mesmo acontecia no seu étimo latino equinu, não se deverá dizer também "e-kwi-ta-ção", dado que o étimo é o mesmo (e ao contrário do que diz José Neves Henriques em Pronúncia de equitação)?

Agradecido pela atenção dispensada!

Resposta:

Não, porque a pronúncia de equitação se fixou tradicionalmente como "ekitação" (transcrição fonética: [ekitɐsɐ̃ũ]; cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Nos casos de equino (no sentido de «relativo aos equídeos») e equidistante, prevalece um critério etimológico que leva a proferir a sequência qui à latina, como [kwi]. Atenção que equino, enquanto «design[ação] comum aos ouriços-do-mar do gên[ero] Echinus, encontrados no Atlântico e no Mediterrâneo» (Dicionário Houaiss), se pronuncia [e`kinu].

Pergunta:

Ouço com alguma frequência usar o verbo costumar seguido de a em frases tais como «costumo a ir...», «costumo a fazer...», o que me leva a admitir que não se trata de um erro, no sentido exacto do termo, mas de uma forma também admissível, cuja origem desconheço.

Solicito o favor de me elucidarem sobre este assunto, agradecendo desde já.

Resposta:

O verbo costumar usa-se sem preposição, seguido do infinitivo do verbo que indica a acção. Ex.: «Costumo dar um passeio a pé depois de jantar»;  «Sara costumava ler um poema antes de dormir.»

Existe a formulação costumar-se a, com significado idêntico a acostumar-se  a, habituar-se a. É uma forma mais antiga, encontrada em alguns escritores.
Exs.: «Não tenha pressa de dizer nada a seus filhos, minha senhora, não lhes ensine a duvidar de um homem que eles se costumaram a amar e a respeitar» (J. Dinis, Morgadinha..., p. 386); «Mas há uma coisa em que não me costumo a pensar levianamente. É no casamento» (J. Dinis, As Pupilas..., p. 198).
 
Existe também a expressão ser costumado a, encontrada em padre António Vieira, nalguns sermões. Ex.: «... os que tão costumados éramos a vencer e triunfar...» (P. A. V.)

Pergunta:

Minha dúvida é a respeito da concordância nominal com sujeitos ligados por ou. As gramáticas explicam, mas somente quando se trata de concordância verbal. É correto dizer: «A classificação de propriedades industrial ou comercial», «O sistema circulatório ou o digestivo», «O sistema de educação ou de substituição» ou, ainda, «Os sistemas de educação ou substituição»? Como podem ver, utilizo as mesmas regras com sujeitos ligados por e (como as gramáticas não explicam, penso que, talvez, as regras são as mesmas). Vejo frases escritas de outras maneiras, por exemplo «A classificação de propriedade industrial ou comercial», que não interferem na compreensão, por isso penso que, talvez, as duas formas sejam possíveis (porém, uma pode ser mais formal, só não sei qual).

Desde já agradeço.

Resposta:

O que a consulente pretende saber são os critérios de concordância entre adjectivos coordenados e um substantivo no plural que seja modificado por eles (p. ex., «os casacos branco e preto» = «o casaco branco e o casaco preto»). Na verdade, o preceito que conheço limita-se a adjectivos coordenados pela conjunção copulativa e, encontrando-se formulado por Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 546):

«A palavra determinada irá para o plural ou ficará no singular, sendo, neste último caso, facultativa a repetição do artigo. Em geral, isto ocorre com adjetivos de nacionalidade: As literaturas brasileira e portuguesa ou A literatura brasileira ou portuguesa (maneira de dizer menos frequente e, com exagero de lógica gramatical, considerada errônea por muitos autores) ou A literatura brasileira e a portuguesa.

"e os cronistas tudense e toledano fazem a luta dos dous reis depois daquele consórcio" [AH.6, III, 86}

"Li um anúncio, convidando mestra de línguas inglesa e francesa para o colégio" [CBr.1, 128]

"O pequeno reino sucessivamente perlustrou as costas ocidental e oriental da África..." [C. de Laet., I, 211]

as séries quarta e quinta

a quarta e quinta série (ou séries

Transpondo este preceito para uma estrutura de coordenação assente na conjunção disjuntiva ou, direi que ocorrências deste tipo de estrutura são marginais, parecendo apenas de admitir uma interpretação inclusiva, muito próxima da da conjunção copulativa e:

Pergunta:

Olá!

Por gentileza, gostaria de saber em qual contexto devo utilizar as palavras abaixo:

Ressurreto
e ressuscitado.

Como sei que devo utilizar uma ou outra?

Obrigada.

Resposta:

Ressuscitado é particípio passado de ressuscitar, ocorrendo associado a um auxiliar: «tinha ressuscitado»; «foi ressuscitado». Pode também ser usado como adjectivo, no sentido de «que ressuscitou» (Dicionário Houaiss): «Cristo ressuscitado.»

Ressurrecto (ou ressurreto)1 é apenas adjectivo e substantivo, não se usando como particípio passado: «que ou quem ressurgiu ou ressuscitou» (idem). A sua aparência de particípio passado irregular deve-se ao facto de ter origem no «lat[im] resurectus, a, um, part[icípio] pas[sado] de resurgĕre, "relevantar-se; reerguer-se, restabelecer-se; reanimar, recomeçar" (idem).

1 O Dicionário Houaiss apresenta ressurreto como variante de ressurrecto, sem mais comentários. O Dicionário Aulete regista apenas ressurecto. Em Portugal, escreve-se ressurrecto, com c audível (a aplicação do novo Acordo Ortográfico não alterará a grafia da palavra).

Pergunta:

De vez em quando ouço dicções como estas: abrido, fazido, escrevido, cobrido etc. Sei que são proferidas por pessoas cujos conhecimentos gramaticais são bastante limitados ou praticamente inexistentes. Ainda assim, na qualidade de estudioso do idioma português, não as considero formas errôneas. Parecem-me antes expressões obsoletas, antiquadas, desusadas, não necessariamente erradas. Concordais comigo?

Resposta:

Não é assim nos casos em questão. São formas mais recentes, que surgiram no intuito de regularizar a formação dos particípios passados — e é desse ponto de vista descritivo, não normativo, que elas se explicam. De qualquer modo, essas formas não normativas correspondem a aberto, feito, escrito e coberto, particípios passados que são sobrevivência de antigas formas  latinas, também irregulares, conforme explica Edwin B. Williams, em Do Latim ao Português (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, pág. 188):1

«[...] Muitos particípios passados fortes paroxítonos sobreviveram em português:

latim                                                     português

apertum                                                   aberto

copertum                                                 coberto

*dīctum             &#...