Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Uma simples pergunta, como se chamam os habitantes de Oldrões?

Sem mais de momento, muito obrigado.

Resposta:

Não parece haver um gentílico consagrado para designar o natural ou habitante de Oldrões. O mais que se pode propor é que se crie um com base no radical do topónimo que se pode identificar com oldron-; sendo assim, diremos oldronense, à semelhança de pilonense (de Pilões, Nrasil). No entanto, em matéria de gentílicos, deve-se respeitar a etimologia, e o que acontece neste caso é não se saber ao certo se o radical oldron- tem razão de ser histórica. Na verdade, por José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, ficamos a saber que a freguesia já se chamou Oldrãos e talvez Oldrães. Sendo assim, oldranense seria forma mais adequada. De qualquer maneira, parece-me que o mais certo é não se usar mesmo nenhuma designação e se recorra a expressões como «os naturais/habitantes de Oldrões» ou simplesmente «os de Oldrões».

Pergunta:

A disciplina de Ciências Físico-Químicas aparece designada por Físico-Química no Decreto-Lei n.º 6/2002, que estabeleceu as matrizes curriculares para o ensino básico. Julgo haver aqui um erro linguístico, em cujas causas não vou agora deter-me, pois dever-se-á chamar «Ciências Físico-Químicas» ou «Física e Química». Não terei razão? Aguardo esclarecimentos.

Obrigado!

Resposta:

O termo físico-química está correcto e encontra-se registado em dicionários gerais de língua:

Dicionário Houaiss

«ciência interdisciplinar, de limites indefinidos, que visa estudar as propriedades macroscópicas de um sistema, relacionando-as com a sua estrutura microscópica ou, por um processo inverso, partir da estrutura microscópica, obtendo as suas propriedades macroscópicas por métodos da física e da química; químico-física [A fronteira entre a físico-química e a física é tênue e, com o advento da física moderna, tende a desaparecer em grande parte das situações.]»

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa)

«Ciência que engloba simultaneamente os domínios da física e da química, no estudo que faz dos corpos.»

O termo ciências físico-químicas aparece sem definição no verbete de físico-químico, adjectivo que significa «que se refere simultaneamente à física e à química».

De harmonia com o Acordo Ortográfico de 1945, escreve-se com maiúscula inicial «[...] os nomes de ciências, ramos de ciências e artes, quando em especial designam disciplinas escolares ou quadros de estudos pedagogicamente organizados [...]» (Base XLIII). Com o Acordo Ortográfico de 1990, é facultativa a maiúscula inicial (Base XIX, 1.º g).

Pergunta:

As palavras terminadas em -agem são femininas em português. As palavras correspondentes são masculinas em francês, espanhol e italiano. Gostava de saber se existe alguma explicação a esta particularidade linguística e se houve mudança de género numa certa altura.

Resposta:

Os substantivos comuns terminados em -agem são realmente quase todos do género feminino em português.1 Na diacronia deste sufixo convergem duas terminações diferentes:

a) a do francês -age, evolução do latim -atĭcu-, que ocorria em palavras do género masculino: passaticu- > passage (francês, masculino) > pasaje (espanhol, masculino), mas passagem (português, feminino);

b) -agĭne (imagine- > imagem), que eram do género feminino em várias línguas românicas (francês image, espanhol imagen).

Em francês e espanhol, manteve-se o género masculino nas palavras cujas terminações remontavam a -atĭcu-; em português, pelo contrário, a terminação -agem (<-age), de origem francesa, confundiu-se com -agem (< -agĭne), generalizando-se o género feminino. É um fenómeno bastante antigo porque, considerando que a separação entre português e galego se terá verificado no século XV, a generalização do feminino está documentada nesses ramos contemporâneos do antigo sistema galego-português.

1 São excepções o arabismo almargem, «prado», que pode ser usado nos dois géneros, e certos compostos como porta-bagagem. Também são usados nos dois géneros os adjectivos selvagem e abencerragem (variante de abencerrage, «relativo à linhagem moura dos abencerrages, que dominou Granada, em Espanha).

Pergunta:

Alguns dos nomes de países e territórios da região das Caraíbas têm uma multiplicidade de grafias, sendo complicado compreender qual delas adoptar. Se por um lado algumas são pouco usuais, outras são bem portuguesas. Neste caso, quando devemos adoptar os estrangeirismos locais?

As minhas dúvidas prendem-se com os seguintes casos:

— "Anguilla" (inglês), "Anguilha" (português), ou "Anguila" (português)?

— "Antigua e Barbuda" (castelhano), "Antígua e Barbuda" (misto de castelhano e português), ou "Antiga e Barbuda" (português)?

— Curaçao (neerlandês, vindo do português), ou Curação (português)?

— Bahamas (inglês, vindo do cast. «baja mar»), ou Baamas (português)?

— Ilhas Cayman (inglês, usado aparentemente no Brasil), Caymans, Caiman ou Caimã (português brasileiro), ou Ilhas Caimão (português europeu)?

— Dominica, ou Domínica?

— Montserrat (inglês), Monserrate (português), ou Monte-Serrado (como já vi aqui no Ciberdúvidas)?

— Nevis (inglês), Névis (misto de inglês e português), ou Neves?

— Trinidad (inglês, vindo do castelhano), Trinidade (misto de castelhano e português), ou Trindade (português)?

— Turks e Caicos (inglês): Turcos ou Turcas (português) e Caicos ou Caícos (português)?

Desde já, um muito obrigado.

Resposta:

Anguila: é a forma que ocorre na definição de anguilano no Dicionário Houaiss; é também assim que o nome se encontra registado na versão portuguesa do Código de Redacção Interinstitucional da União Europeia.

Antígua (e Barbuda): forma confirmada pelas fontes consultadas no caso de Anguila.

Curaçau: é a forma registada no Dicionário Houaiss e no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves. Curaçao é a forma neerlandesa, e curação (de cura), uma das etimologias possíveis do nome da ilha. 

Baamas: forma registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, e no Dicionário Houaiss, cuja nota etimológica não confirma a etimologia proposta pelo consulente, a qual é também a do artigo da Wikipédia em espanhol :

«a orig[em] do top[ónimo] tem sido atribuída à alt[eração] fonética da pal[avra] indígena guanahani, dita pelos colonos ingleses Buhama, daí Bahama(s); o étimo de guanahani para uns é iwa, "fruto", e jhuanani, "moronóbea (tipo de planta)"; para outros, ivananá, "banana...

Pergunta:

Ribeira de Pantanha, Mãe de Pantanha: gostaria de saber o significado assim como a etimologia de Pantanha.

Resposta:

Sobre a origem do topónimo, nada se sabe ao certo. Só no Dicionário Onomástico Etimológico da língua Portuguesa, de José Pedro Machado, se encontra uma entrada com o seguinte comentário:

«Pantanha, top[ónimo] Nelas. Está relacionado com o s[ubstantivo] f[eminino] pantana, «atascadeiro, lamaçal»? Pantanhas, Paredes de Coura.»