Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Considerando que a palavra "graficar" significa o acto de representar dados/informação em gráficos, gostaria de saber se é válido dizer por exemplo que «os dados encontram-se graficados na figura...» ou «os dados foram graficados...» Em suma, gostaria de saber se o verbo "graficar" existe em português.

Desde já, muito obrigada.

Resposta:

Não encontro a forma graficar nem em dicionários brasileiros nem em portugueses. No entanto, o verbo graficar existe em espanhol e é, segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, usado em Cuba, Argentina, Chile, Salvador e Uruguai; significa «representar mediante figuras e símbolos». Parece, portanto, tratar-se de um hispanismo, que pode ter pertinência expressiva em português, sobretudo se com a palavra se pretende dizer especificamente «representar por gráfico ou diagrama», uma vez que grafar, possível alternativa vernácula, significa só «representar a linguagem por sinais gráficos», ou seja, «escrever, ortografar».

Pergunta:

Embora tenha investigado, continuo com dúvidas em relação aos pronomes clíticos a usar nas seguintes frases.

a) «Digam-nos o que aconteceu. Espero que__________o que aconteceu.»

b) «Traz-me um pão saloio da padaria. Quero que__________um pão saloio da padaria.»

c) «O professor chama-me todos os dias; oxalá ele_________também hoje.»

Resposta:

No âmbito da variedade europeia, as frases correctas são:

a) «Digam-nos o que aconteceu. Espero que nos diga o que aconteceu.»

b) «Traz-me um pão saloio da padaria. Quero que me traga um pão saloio da padaria.»

c) «O professor chama-me todos os dias; oxalá ele me chame também hoje.»

Recordo que se verifica a próclise do pronome clítico (ou átono) sempre que este ocorre numa oração subordinada. O mesmo acontece depois da interjeição oxalá.

Atendendo a que a consulente nos escreve de Angola, devo lembrar que, neste país, a descrição linguística assinala que se está a formar uma norma local. Com efeito, Ivo Castro, na sua Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, 2006, págs. 11/12), refere que actualmente, além de duas grandes variantes bem individualizadas (a portuguesa e a brasileira), existem outras duas variantes em formação, a angolana e a moçambicana, sendo de esperar que estas também se individualizem normativamente quando estabilizarem. No entanto, neste momento, não há ainda expressão institucional nem instrumentos prescritivos consagrados que fixem as características dessa norma. O que se conhece são aspectos típicos da oralidade que frequentemente afloram no discurso escrito, ao que parece, sem carácter sistemático.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do apelido Poças e que ramificações tem em Portugal. Obrigado.

Resposta:

O apelido Poças parece ter origem no aproveitamento como alcunha do substantivo feminino poça, cujo plural é poças (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Este nome também surge como topónimo, em Portugal e na Galiza (aqui sob a forma Pozas), com base no substantivo comum poça, no plural (ibidem). É, portanto, possível que certas famílias usem este apelido porque tiveram um antepassado proveniente de um lugar chamado Poças («o fulano que é de Poças», «o Poças»). No entanto, noutros casos, não é de descartar outra hipótese, como mostram Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva, no Tratado das Alcunhas Alentejanas (Lisboa, Edições Colibri, 2003), com a história de um homem alcunhado «o Poças»:

«Poças [..] Um dia, o alcunhado estava bêbado e caiu dentro de uma poça de água (Nisa).»

Pergunta:

1. Como fica, a partir das bases do novo Acordo Ortográfico (2009, em vigor para os países lusófonos, o status de palavra como pé-de-moleque até então uma palavra composta por justaposição. Vista agora como locução ou, ao que me parece, como uma unidade fraseológica, deve ser classificada como fraseologia e não composto?

2. Observei que a maioria das palavras com (pé-de-cabra, pé-de-moleque, pé-de-burro etc.) são datadas do final do século XIX (1889). O que estaria por trás dessa incidência de palavras nesse período?

3. Onde estaria a motivação para a criação lexical de pé-de-moleque? Na cor torrada do pé de moleque (garoto)? Na forma de pé que aparece nas formas de fazer este doce? Qual a motivação lexical para o surgimento da referida palavra? O que se pode especular à luz da etimologia?

Resposta:

1. A palavra que se escrevia pé-de-moleque passa a escrever-se sem hífen, pé de moleque, segundo a Base XVI do Acordo Ortográfico de 1990, como aliás se pode verificar pela respectiva entrada, não hifenizada, da 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras. A perda do hífen não significa que pé de moleque deixe de ser um composto, porque o facto de lhe ser atribuída entrada no VOLP significa que a forma é reconhecida como unidade vocabular autónoma.

2. Se a datação provém de um dicionário (a do Dicionário Houaiss é a mesma referida pelo consulente), não podemos daí inferir que a palavra tenha sido formada à roda dessa data. Pode muito bem acontecer que a datação seja aproximativa ou que o termo fosse corrente no discurso oral muito tempo antes de ter sido recolhido. Ou seja, é difícil determinar tendências históricas com base nas datações propostas por dicionários gerais. É, pois, necessário investigar mais aprofundadamente.

3. Tendo em conta as acepções do termo (Dicionário Houaiss), é de presumir uma criação metafórica, talvez, como é sugerido, por causa da forma do doce em causa:

«1 doce consistente feito de açúcar ou rapadura com amendoim torrado; 2 Rubrica: culinária. Regionalismo: Nordeste do Brasil. bolo feito de mandioca, fubá, coco e açúcar; 3 Rubrica: culinária. Regionalismo: Angola. amendoim torrado, descascado e triturado posto em ...

Pergunta:

Junto a Palmela há uma quinta com o nome de Quinta das Façalvas. Como a boda do casamento da minha filha vai ser lá, gostaria de saber a origem do nome Façalvas e o seu significado.

Agradeço qualquer esclarecimento que me possa ser dado.

Resposta:

Lamentamos, mas não encontramos fonte que nos esclareça sobre a origem do topónimo Façalvas. O mais que encontramos é uma forma aproximada, Facalva, nome de um lugar na região de Ourique (Portugal), segundo regist{#|r}o de José Pedro Machado no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa. No entanto, mesmo que Façalvas se relacione com Facalva ou vice-versa, Machado também não vai mais além da conjectura:

«Facalva, top[ónimo] Ourique (Monte da Facalva). De alc[unha] ou apel[ativo]? Será aglutinação de faca (= égua) alva? Se assim for, porquê esta denominação?»

Quase o mesmo é o que perguntamos em relação a Façalvas: de «faces alvas»? Por causa de um proprietário ou uma proprietária de «faces alvas»? Ou será que houve alguma deturpação de Facalva? Por enquanto, não sabemos responder.