Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Clítico (segundo o dicionário Priberam):

«Diz-se de ou palavra que forma uma unidade fonética com a palavra a que está ligada.»

Podiam dar-me exemplos de clíticos que não fossem pronomes?

Resposta:

Preposições como de e por, ou os artigos definidos (o/a) são também clíticos.Contudo, geralmente na descrição gramatical do português reserva-se o termo clítico para denotar os pronomes pessoais átonos (me, te, o/a, se, lhe, nos, vos, os/as, lhes).Trata-se de palavras sem acento próprio, que formam unidades acentuais com as palavras que têm acento próprio: «de casa» (= "decása"), «por casa» (= "purcása"), «a casa» (= "acása"), etc.

Esta definição pode ser reforçada, por exemplo, pela Gramática do Português – vol. III (Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, p. 3425):

«Algumas palavras que pertencem a classes de natureza funcional não são portadoras de acento. As palavras inacentuadas chamam-se clíticos. Os clíticos, sendo palavras morfológica e sintaticamente autónomas, são integradas na palavra fonológica que os segue (proclíticos) ou que os antecede (enclíticos).

A ausência de acento em certas palavras é uma propriedade idiossincrática. Em português, são inacentuados os pronomes pessoais nas formas de complemento direto (me, te, o, a, se, nos, vos, os, as) e de complemento indireto (me, te, lhe, nos, vos, lhes); os artigos definidos e indefinidos; algumas preposições (a, com, de, em, para, por) e algumas conjunções (e, mas, que, ou, porque, como, se).

Apenas os pronomes pessoais se podem juntar à palavra fonológica à sua esquerda, em configuração de ênclise (amo-te).»

Pergunta:

Como poderíamos fazer o diminutivo de jornalista?

Li jornalistinha, mas soa-me francamente mal...

Aproveito para vos agradecer o facto de estarem a responder-nos também nesta fase de confinamento.

Resposta:

 A forma jornalistinha não é impossível, visto que existe pijaminha1, que é diminutivo de pijama, nome masculino com índice temático em -a.

Contudo, o que a descrição linguística regista são os chamados diminutivos "z-avaliativos" (-zinho, -zito) para estes casos:

(1) atletazinho, turistazinho, dentistazinho2

Sendo assim, é preferível jornalistazinho ou jornalistazito.

Note-se que, apesar de jornalista ser um nome comum de dois, visto que a mesma forma denota os dois géneros («o/a jornalista), a adjunção de -zinho acarreta a marcação da variação de género no diminutivo: «um jornalistazinho»/«uma jornalistazinha».

 

1 Ver Alina Villalva, "Sobre a formação dos chamados diminutivos no Português Europeu", in Textos Seleccionados, XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Porto, APL, 2010, p. 792.

2 Cf. Graça Rio-Torto et al.,

Pergunta:

«Em que país moram vocês?»

«De que fruta será que gostam mais?»

«Por que motivo?»

Essas são frases interrogativas muito naturais na língua portuguesa. Mas vejo aqui no Brasil o que sendo trocado por qual, mesmo quando não há propriamente ideia optativa, assim:

«Em qual país moram vocês?»

«De qual fruta será que gostam mais?»

«Por qual motivo?»

Está correto o uso de qual nessas frases? Usa-se em Portugal?

Resposta:

 O uso de qual, tal como se ilustra na pergunta, não é impossível em Portugal, mas não nas mesmas condições:

(1) Qual (é) o país em que moram vocês?

(2) Qual (é/será) a fruta de gostam mais?

(3) Qual (é) o motivo?

Em todas as frases, é possível omitir o verbo ser conforme o uso correto de Portugal.

Que, no Brasil e em Portugal, qual nem sempre se usa da mesma maneira é constatação assinalada na Gramática do Português (vol. III, Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, p. 2542), onde se lê:

«No português do Brasil, é mais comum do que em português europeu a ocorrência de qual em construções não partitivas[1], à semelhança de que (cf. qual livro você comprou?); em português europeu, qual tende a ocorrer mais frequentemente em contextos particulares: (a) quando a interrogativa é um fragmento frásico (cf. iB)); (b) quando tem a função de sujeito do verbo ser em orações copulativas cuja resposta é uma oração copulativa identificadora [...], como em (ii) ; ou (c) combinando-se com um nome explícito, quando o constituinte interrogativo ocorre em posição pós-verbal, como em (iii):

(i)   A –Traz-me aí os livros!
      B – Quais livros?

(ii) a. Qual foi o livro que compraste?
    b. Quais são os teus escritores preferidos?

(iii) O teu pai deu-te qual livro?»

 

1 O uso partitivo de

Pergunta:

Em Jerônimo Soares Barbosa (1735-1816), Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, pág. 147, ocorre o seguinte passo:

«Todos estes nomes próprios passam, por virtude dos Artigos, a tomarem-se em sentido comum.»

Pois bem, aí, «por virtude de» equivale a «por causa de»?

Muito obrigado.

Resposta:

A locução «por virtude de» é variante «em virtude de», e ambas têm valor causal, sendo, portanto, equivalentes a «por causa», expressão que é hoje bastante corrente.

A locução «em virtude de» encontra registo em várias fontes, mas menos frequente parece a presença de «por virtude de», sobretudo em dicionários mais recentes1. A menor presença de «por virtude» na dicionarística contemporânea é correlativa do reduzido número de ocorrências da locução em textos do séculos XX e XIX, conforme evidencia o Corpus do Português, de Mark Davies. Não obstante, em séculos anteriores, observa-se que no mesmo corpus há um ligeiro aumento de exemplos de «por virtude de», o que sugere que esta é uma forma arcaica ou arcaizante de «em virtude de». Atendendo a que a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa foi escrita por uma pessoa que viveu há mais de duzentos anos, é natural que os usos aí patentes sejam algo diferentes dos de hoje.

1 dicionário da Academia das Ciências de Lisboa inclui ambas as locuções em subentrada a virtude, com a indicação de que são sinónimas, tal como se  faz no dicionário de Caldas Aulete; e o Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa de Énio Ramalho, define-as do mesmo modo, como equivalentes a «devido a» e «por causa de». Contudo, em dicionários mais recentes, a forma «por virtude de» prima pela au...

Pergunta:

Uma amiga minha chama-se Manuela mas é tratada por Manucha.  Como se chama este termo?

Não é diminutivo, não é abreviatura, será alcunha?

Peço esclarecimento, por favor.

Obrigado.

Resposta:

É um hipocorístico, isto é, trata-se de uma forma que se emprega para demonstrar carinho, fazendo maiores ou menores alterações a um nome próprio, geralmente mediante sufixos de diminutivo (ex.: Manuela > Manuelinha ou, a partir da forma popular, Manela/Manelinha) ou por redução de nomes próprios (Beatriz > Bia, Conceição > São, Joaquim > Quim, José > ).

No caso de Manucha, que é um hipocorístico estável no uso (tem, portanto, tradição), operou-se por truncação para isolar o elemento Man- de Manuela, e depois associar-lhe o sufixo -ucho/-ucha.

O Dicionário Houaiss considera que este sufixo – do latim -cŭla-, -cŭlu-, que também formava diminutivos (particŭla, donde o português partícula, por via erudita) – tem baixa frequência em português no que ao léxico comum se refere (capucho, falucho, felucho, galarucho, galucho, gorducho, machucho, mangucho, negrucho, papelucho, pequerrucho, pertucho, portucho, trancucho, trapucho).