Pergunta:
À porta de uma mercearia em Alverca lê-se num cartaz: «Há vinho da Calhandriz e pão da Arruda.»
Em conversa com alguns fregueses, constatei que é costume nas redondezas usar-se o artigo definido a (além das contrações preposicionais da e na) para fazer referência a estas duas povoações, sobretudo entre os nativos e os mais idosos.
Em todo o caso, quaisquer alusões a Calhandriz e Arruda (dos Vinhos) são-nos apresentadas, regularmente, e dependendo do contexto, de forma neutral.
Vejam-se alguns títulos do jornal O Mirante:«Um morto e 34 infetados em lar de Arruda dos Vinhos' (e não «'da' Arruda dos Vinhos»); ou «A Guarda Nacional Republicana emitiu um parecer de segurança negativo à instalação de duas novas caixas multibanco em Calhandriz» (e não «'na' Calhandriz»).
No entanto, e noutra edição, o mesmo jornal destaca: «Ser compositor e músico é ter uma profissão demasiado dura para não se gostar dela. Quem o diz é Telmo Lopes, [...] compositor natural da Calhandriz [....].»
Perante isto, deverão estes fenómenos linguísticos ser encarados como norma ou apenas como meros regionalismos? E qual é, na verdade, o género dos topónimos Calhandriz e Arruda dos Vinhos?
Agradeço à Comunidade Ciberdúvidas o apoio prestado, assim como a eficácia e a assertividade das vossas respostas.
Resposta:
O uso do artigo definido com topónimos sujeita-se muitas vezes ao critério da atribuição ao léxico comum (ver Textos Relacionados). Por outras palavras, se o topónimo tiver origem num substantivo comum, é previsível que a sua ocorrência tenha associado o artigo definido:
(1) Porto – «o Porto» (de porto, nome comum)
(2) Costa Nova – «a Costa Nova» (de costa, nome comum)
Sobre (1) e (2), dir-se-á ainda que são topónimos transparentes, isto é, topónimos interpretáveis por palavras do léxico comum, de uso mais ou menos corrente1. Como sempre, deve recordar-se também que há exceções quanto ao critério enunciado, pois há topónimos com origem em nomes comuns sem artigo definido associado, como acontece com os compostos de vila e castelo: «vivo em Vila Real de Santo António», «moro em Castelo de Paiva».
Examinando os casos em apreço, é de considerar que Arruda tem artigo definido, porque resulta da conversão do substantivo comum arruda (aparentemente, um fitónimo, isto é, o nome de uma planta) em nome próprio (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Daí que, sem surpresa, o uso corrente inclua o artigo definido: «comprei pão da Arruda».
Quanto a Calhandriz, como é pouco ou nada clara a sua relação com o vocabulário comum, diz-se que é um topónimo opaco – cujo significado não é interpretável pelo de um nome comum –, e em tal caso o que se observa é o nome empregar-se sem artigo definido. Sendo assim, «vinho da Calhandriz» seria uma anomalia ou incorreção, mas não é isto verdade. Com efeito, há que ter em ...