Pergunta:
Estava perguntando-me aqui o motivo de não haverem traduzido o título do livro de Gustave Flaubert Madame Bovary para "Dona Bovary". Vamos por partes.
No Brasil podemos referir-nos a uma mulher desconhecida de X maneiras:
1) Senhora – tanto para velhas como novas.
«A senhora irá à festa de Carlos.»
«Que horas são, senhora?»
Pode-se acrescentar o pronome possessivo minha para suavizar o solenidade. Se a mulher for casada ou a sogra, às vezes prefere-se usar dona.
2) Dona – sempre acompanhado do nome.
«A dona Ivete morreu ontem, sabia?»
«Dona Cleide, a senhor pode me fazer um favor?»
3) Madame, senhorita e senhorinha – de maneira mordaz, sarcástica.
«Então quer dizer que a madame não gosta do que faço?»
«Eu aqui trabalhando. E a senhorita aonde? A senhorita só na gandaia.»
«E a senhorita quer tudo de mão beijada? Quer que lhe lave as roupas, que faça o café, o almoço, a janta?»
Parece-me, de acordo com o uso no Brasil, o melhor seria "Dona Bovary".
Resposta:
Não sendo impossível, o parecer do consulente confronta-se com alguns problemas de uso do termo dona, quer no Brasil, quer em Portugal, quer, ainda, noutro país ou região de língua portuguesa.
Assim:
– Em relação ao uso de senhora, descrito em 1), ocorre aproximadamente o mesmo em Portugal, embora aqui,como vocativo, se tenda a dizer «minha senhora», e nunca ou raramente «dona».
– O título de dona, como indicado em 2, no comentário, tem sempre associado o primeiro nome, e nunca o sobrenome (em Portugal, apelido): uma pessoa que se chame Ivete Silva será sempre «a Dona Ivete» ou «a Senhora Dona Ivete», mas não *«Dona Silva» nem *«Senhora Dona Silva» (o * indica que é uso não aceite).
– Sobre 3, madame pode efetivamente ser usado em tom sarcástico, e até se regista a forma vulgar madama que reforça essa intenção. Sobre senhorita, nada a acrescentar, a não ser o facto de não se empregar em Portugal.
Acontece que, de acordo com 2, "Dona Bovary" é impossível, porque é sobrenome; o mais que se poderá fazer é adaptar como «Dona Emma» (ou «Dona Ema»), uma vez que o primeiro nome da personagem é Emma (Ema em português"). Esta solução não será a mais satisfatória, porque, entre outros motivos, no romance de Flaubert a personagem do marido, Charles Bovary, é de enorme importância, como se pode supor num romance que aborda o adultério.
Em alternativa, seguindo modelo de «senhora Thatcher» ou «senhora Merkel», que é frequente nos textos mediáticos, poderia propor-se «Senhora Bovary», uma solução preferível à anterior e muito semelhante ao que se faz em várias línguas eslavas (por exemplo, em polaco,