Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A expressão «resolver o quanto antes» está certa ou é dialecto lisboeta?

 

N.E. – O consulente adota a ortografia de 1945.

Resposta:

A forma indiscutivelmente correta é «quanto antes», locução que encontra registo em dicionários portugueses e brasileiros1. Quanto a «o quanto antes», trata-se de variante discutível, mas aceitável.

A referida variante «o quanto antes» não parece ter origem no chamado dialeto lisboeta. Com efeito, ela já ocorre em meados do século XIX, pelo menos, em textos de escritores brasileiros, como se pode confirmar pelo Corpus do Português de Mark Davies:

(1) «FELÍCIO – É preciso que te resolvas o quanto antes.» (Martins Pena, O Inglês Maquinista, c. 1840)

(2) «AMÁLIA - Devo partir, meu pai, e o quanto antes. Não posso ficar nesta casa e se me obrigarem a isso, morrerei.» (Araújo Porto-Alegre, Os Lobisomens, 1862)

O gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida considera «o quanto antes» locução incorreta (cf. Dicionário de Questões Vernáculas). Contudo, o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (elaborado no Brasil, onde foi publicado em 2004), ao registar quanto, atesta a locução «quanto antes» com ocorrências das duas formas – com e sem artigo defi...

Pergunta:

Depois de muito procurar, tanto no vosso belíssimo site como na Internet em geral, continuo com dúvidas relativamente à forma correcta de palavras muito específicas, respeitando a grafia antes do actual acordo ortográfico.

As palavras são: "oligoelemento" (seria "oligo-elemento" ou já sem hífen?) e "oligo-sacarídeo" / "oligo-sacárido" ou as formas sem hífen e com duplo "s".

Quanto a estas duas últimas, são sinónimos?

Vejo a palavra "oligossacarídeo" escrita frequentemente em artigos online, mas em alguns dicionários apenas encontro "sacárido" e não "sacarídeo" e nunca vi a forma "oligossacárido".

Desde já muitíssimo obrigado pelo tempo e atenção dispensados e pelo vosso excelente trabalho.

 

N.E. – O consulente adota a ortografia de 1945

Resposta:

Nos casos em apreço, não há alteração e, portanto escreve-se oligoelemento e oligossacárido (ou o seu sinónimo oligossacarídeo), tanto ao abrigo da norma ortográfica vigente (o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990), como no quadro da norma ortográfica seguida oficialmente em Portugal entre 1945 e 20091

O filólogo português Rebelo Gonçalves consignou no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) formas como oligossialia2, da qual se infere a legitimidade dos dois ss de oligossacárido. Mas antes da entrada em vigor do AO-90, o Dicionário Houaiss, na sua 1.ª edição (2001), registava oligoelemento e oligossacárido (com oligossacarídeo). Não se trata de uma especificidade brasileira, porque anos antes, em Portugal, José Pedro Machado acolhia no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Lisboa, Círculo de Leitores, 1991) as mesmas grafias3.

Seja como for, ainda que se trate <...

Pergunta:

Qual a origem do nome das refeições e respectiva etimologia? Qual a história de cada nome?

 Obrigado.

Resposta:

De acordo com a informação etimológica do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª edição, 2001), as palavras em questão têm as seguintes etimologias:

pequeno-almoço: decalque da expressão francesa petit-déjeuner (literalmente «pequeno desjejum»)1.

almoço: no galego-português, almorço, evolução do latim vulgar *admŏrdiu-, do latim admordere, «morder ligeiramente, começar a comer».

lanche: aportuguesamento do inglês lunch, redução de luncheon «refeição do meio-dia», que tem origem desconhecida (cf. Online Etymology Dicitionary)

jantar: do latim vulgar jantāre, que em latim clássico era jento, as, āvi, ātum, āre, que significava «almoçar, comer o desjejum», relacionado, portanto, com jejūnus «que está sem comer» (que deu jejum).

Note-se que esta é a atual nomenclatura das refeições no português de Portugal, provavelmente mais corrente no litoral do país, em meio urbano. Contudo, como sinónimo de lanche, ainda se usa merenda, do latim medieval merenda, ae, «refeição que se faz à tarde ou ao cair da noite, jantar, merenda, colação». Além disso, jantar significava (ou ainda pode significar) o atual almoço, enquanto ceia era relativo ao que se diz hoje jantar. Assinale-se que cear e ceia provêm respetivamente de duas palavras latinas: o verbo cēno, as, āvi, ātum, āre, «jantar»; e o nome cēna, ae, «o jantar, ...

Pergunta:

Sou um apaixonado pela linguística, nomeadamente no que diz respeito à língua portuguesa. Nesse âmbito, um dos temas que mais me intriga é o betacismo.

Gostaria de obter um esclarecimento (se possível) sobre um subtema (julgo eu) dentro desse fenómeno:

1) A nossa língua numa determinada fase, “recuperou” o uso da sua componente fonética “v” nas palavras com a letra “v”, contrariamente ao que ocorreu nas restantes línguas da península. Seguem exemplos (português, latim, castelhano): vinho = vinum, vino; veterano = veteranus, veterano; voar = volare, volar, etc.

2) Por outro lado, numa outra (!?) vertente desse fenómeno parece ter havido total conversão do “b” em “v” tanto na sua componente fonética como na escrita. Ex: livro, liber, libro; olvidar, oblitare, olvidar; palavra, parabola, palabra,  etc..

Se o primeiro me parece lógico no contexto do dito fenómeno dentro na evolução do latim, como se explica o segundo ponto desse fenómeno (se é que estão relacionados) ?

Provavelmente a questão será absurda, mas se considerarem que merece algum tipo de resposta…

Grato pela atenção.

Resposta:

O betacismo – a vulgarmente chamada «troca do v pelo b», que é característica dos dialetos setentrionais de Portugal – é o resultado da evolução fonética dos casos apresentados na pergunta. Este tópico já foi abordado noutra resposta, mas as questões levantadas são de molde a retomá-lo.

Assim:

(a) o v de vinho, vizinho e voar (como o de velho ou vento) procedem do V latino consonântico – VINU-, VICINU-, VOLARE1 –, o qual deveria soar como o w inglês de wind («vento») ou woman («mulher»);

(b) o v de livro, olvidar e palavra recuam a B latino, consoante oclusiva sonora que sofreu um processo de fricatização, isto é, passou a produzir-se com fricção, geralmente entre vogais – CANTABAT > cantava –, ou entre vogal e consoante líquidas (p. ex. a consoante vibrante r) – LIBRE (de LIBER, A, UM) > livre –, assemelhando-se ao atual v de vencer.

Acontece, portanto, que dois sons diferentes do latim convergiram, no sistema galego-português, num mesmo som, que teria já a articulação labiodental do [v] do português contemporâneo e ou uma articulação bilabial -- transcreve-se com o símbolo [β] --, a que hoje tem geralmente o atual /b/ intervocálico que figura em "abalar"2.

A partir daqui, há duas teses:

Hipótese A. A troca do v pelo b,que é típica dos d...

Pergunta:

Estando a investigar a figura do predecessor do dandy britânico – o macaroni – e tendo em atenção que esta figura era associada ao uso de misturas quase parodiadas de expressões italianas, latinas e inglesas, pus a hipótese de as versões francesa ou italiana da palavra macarrónico terem origem nesse tipo social.

Do mesmo modo, será que a expressão macarrónico entra na língua portuguesa durante o período máximo de expressão dos macaroni britânicos – o século XVIII – ou era já comum em séculos anteriores?

Agradeço a atenção.

Resposta:

O adjetivo português macarrónico é anterior ao uso de macaroni como designação inglesa de um jovem pretensioso e afetado.

O tipo social britânico é que terá origem em maccaroni, uma variante dialetal do italiano maccheroni, segundo informação da página Online Etymology Dictionary, onde se observa o seguinte:

«Originally known as a leading food of Italy (especially Naples and Genoa), it was used in English by 1769 to mean "a fop, a dandy" ("typical of elegant young men" would be the sense in "Yankee Doodle") because it was an exotic dish in England at a time when certain young men who had traveled the continent were affecting French and Italian fashions and accents (and were much mocked for it).» [tradução livre: Originalmente conhecido como uma das comidas principais da Itália (especialmente de Nápoles e Génova), usava-se em inglês por volta de 1769 com o significado de "janota, elegante" ("característico de jovens elegantes" é o sentido que tem em Yankee Doodle"), porque era um prato exótico em Inglaterra, numa época em que certos jovens, que tinham viajado pelo continente, afetavam maneiras e pronúncias francesas e italianas (e eram por isso grande alvo de troça.»]

O português macarrónico, atesta-se, por seu lado, desde finais do século XVI (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa), portanto, antes do aparecimento dos macaroni britânicos. Este adjetivo é a adaptação do italiano maccheronico, «relativo à linguagem de composições burlescas, escritas com uma mistura de palavras vulgares, dialetais ou pseudolatinas, flexionadas à maneira do latim» (ibidem).

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