Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao fazer pesquisa sobre as origens da cidade de Santo Tirso, vim a perceber que o primeiro nome da localidade foi Cidnay.

O que significa a palavra Cidnay?

Obrigado.

Resposta:

Ignora-se o significado etimológico da forma Cidnay, que será uma das variantes de Cidenai ou Sidenai, formas que ocorrem em documentos, pelos menos desde o século XVI.

Certos autores consideram que é o nome mais antigo de Santo Tirso, conforme se pode confirmar pela leitura da seguinte passagem:

«[...] a povoação que passou a ser sede do concelho, ter[á] abandonado o seu verdadeiro e antigo nome "Cidenai", topónimo sem igual em toda a península e que teria tido origem na junção de duas palavras de línguas diferentes mas significando o mesmo: "Cide", em árabe significando "senhor" e "Na" em basco, também "senhor" acrescido do sufixo "aia" designativo de lugar de. De facto, num prazo do Séc. XVI, este lugar aparece escrito "Cideanaya"; num documento do Papa Urbano VIII, de 1629, são referidos os moradores de "Oppidi seu loci Cidanai" a quem eram concedidas indulgências por sete anos quando visitassem a igreja do Mosteiro no dia da festa do mártir Tirso (28 de Janeiro). Em 1651, Frei Leão de S. Tomaz, na Benedictina Lusitana, chama-lhe "Cidenai" que é a forma que ainda hoje se mantêm. Cidnay grafia adoptada para denominar o hotel que naquele lugar existiu, aparece apenas na Corografia Portuguesa, do P.e Carvalho da Costa. Em prazos de Séc. XIX é vulgar escrever-se Sidenai. Mas, esqueçamos este pormenor já sem remédio, e entremos no assunto que nos propusemos tratar.» (in Actas do Colóquio de História Local e Regional – Santo Tirso, 17 e 18 de Março de 1979 – no âmbito das comemorações do Milenário da fund...

Pergunta:

Estava lendo uma análise do soneto «Transforma-se o amador na coisa amada» e vi um cacófato no final do terceiro terceto.

«Assim co'a alma minha se conforma.»

Pensei no diminutivo de mama («peito de mulher, seios»), mas um amigo meu pensa no corte de carne.

Seja como for, gostaria de saber de duas coisas:

1) Possivelmente, era já um cacófato no tempo de Camões? Existia o corte de carne ou o uso de mama/maminha para designar seios de mulher?

2) Agora, em Portugal ele ocorre também?

Resposta:

1) É possível que, no verso em apreço, a sequência «alma minha» já fosse sentida como aquilo a que se chama cacófato, isto é, como encontro de sílabas de palavras diferentes que pode ser reinterpretado como palavra risível ou obscena. Com efeito, atesta-se o uso da palavra mama, «seio», pelo menos, desde o século XIV; além disso, sabe-se que o sufixo -inho é produtivo desde o século XIII1. Sendo assim, é bem provável que no século XVI a dita sequência estivesse sujeita a ser confundida com maminha, o diminutivo de mama. Já o uso desta forma como denominação de uma peça de carne parece ter emprego mais tardio2.

2) Mama, o mesmo que seio, é palavra frequentemente substituída por maminha sobretudo no discurso infantil ou infantilizante. Contudo, em Portugal, nas décadas mais recentes, pela intensificação do contacto com o Brasil e da presença de brasileiros, também se conhece e usa maminha como termo que designa uma peça ou corte de carne (ler aqui).

 

1 Cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, s. v. mama e Rosa Virgínia Mattos e Silva, O Português Arcaico.Vol. I. Léxico e Morfologia (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p.324 e ss.).

2 Trata-se de uma extensão semântica de maminha, para denotar «a car...

Pergunta:

Donde surgiu a forma «tomara que...»?

Vi o uso «tomaras tu poder...», uso este que não conhecia desta forma.

Geralmente compara-se este tempo com sua forma composta, o que é bem mais fácil de entender.

«Tomara que possas» é a forma contemporânea de «tomaras tu poder»?

Resposta:

Considera-se geralmente que tomara é a 3.ª pessoa do singular do pretérito mais-que-perfeito do indicativo verbo tomar.

Contudo, não é de excluir que tomara, como fórmula impessoal, possa ter origem árabe, em atámm alláh, forma do árabe hispânico (andalusi) que significa «cumpra Deus». Nesta perspetiva, trata-se de um caso curioso de convergência de uma fórmula arábica com um verbo românico não originário do latim, mas talvez do germânico2.

É de supor o uso impessoal seguido de oração finita («tomara que possas...») ou de oração de infinitivo («tomara tu poderes...») seja anterior ao uso pessoal de tomara («tomaras tu poder...». Com efeito, uma consulta da secção histórica do Corpus do Português não faculta claros exemplos da flexão de tomara antes do século XIX.

1 Cf. Federico Corriente, Diccionario de Arabismos (Madrid, Editorial Gredos, 2003, s.v. tomara).

2 Segundo a nota etimológica que o Dicionário Houaiss (2001) dedica a tomar, é este um verbo de «origem obscura», que «[os dicionários] Michaelis e Caldas Aulete derivam de um [verbo] saxão tomian» (o saxão constitui um dos sub-ramos do ramo germânico da família indo-europeia). Outra visão têm 

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a origem da palavra "morçoas" que deu nome a um lugar da vila de Alhos Vedros.

Obrigada.

Resposta:

Nas fontes consultadas para esta resposta, não foi possível achar informação clara sobre a etimologia do topónimo em questão1.

Mesmo assim, sugere-se que Morçoas seja uma deturpação de "morouçoas", feminino plural de um eventual aumentativo de morouço. Assinale-se que por morouço se entende «monte de pedras ou de porcaria» (cf. Dicionário Infopédia da Língua  Portuguesa), noção que não será referencialmente implausível em Alhos Vedros, localidade marcada quer pela pesca quer mais tarde pela indústria: o topónimo pode, portanto, fazer alusão à acumulação dos detritos resultantes de tais atividades.

1 Não consta do Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003), de José Pedro Machado.

Pergunta:

No Extremo Oriente existe uma ilha, a ilha de Takeshima. O nome assim escrito, como se vê, não está aportuguesado.

Procurei a natural e possível forma “Taquexima” no Google, e, embora em nenhum texto recente estivesse presente essa forma, surpreendentemente a encontrei num escrito chamado «Cartas qve os padres e irmãos da Companhia de Iesus escreuerão dos Reynos de Iapão & China aos da mesma Companhia da India, & Europa des do anno de 1549. até o de 1580».

Será passível de consideração essa grafia aportuguesada, mesmo que antiquíssima?

Será que não se usou noutros textos fora dos meios virtuais?

Resposta:

A grafia Taquexima pode e deve ser considerada.

Observa-se a tendência para usar a grafia internacional, geralmente de procedência inglesa. Mesmo assim, no uso de topónimos japoneses podem considerar-se três situações:

1. Há formas de topónimos japoneses que estão aportuguesadas e se usam sem hesitação: Tóquio, Nagasáqui, Osaca, Quioto.

2. Há outras que têm aportuguesamento tradicional que, por vezes, é preterido pela forma internacional: Hiroxima (melhor que Hiroshima).

3. Mas há outros nomes que se usam com a grafia internacional: Honshu

O caso de Taquexima insere-se em 2. Como se trata de um nome pouco usado – apesar de se tratar de território disputado, e, portanto, ser suscetível de atrair a atenção mediática em português –, não parece haver resistência à forma portuguesa e, portanto, nada há que contrarie o seu uso.