Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sou argentina, estudando português, e tenho uma dúvida. Na língua existem algumas palavras como pinheiro, que é contável, e pinho (a sua madeira), que é não contável.

Existe algum outro par que seja do mesmo caso?

Resposta:

O contraste apontado, que não é exclusivo do português, revela-se geralmente pelo uso do mesmo lexema com dois significados diferentes. Por exemplo, carvalho pode ser a árvore e a madeira da árvore: «uma mata de carvalhos» (contável e, portanto, pluralizável) vs. «uma mesa de carvalho» (não contável e pluralizável em condições especiais).

No entanto, também a respeito de termos que denotam árvores e tipos de madeira, pode-se pensar em lexemas que partilham a mesma raiz, mas que se diferenciam quanto às suas terminações, definindo-se pares contrastivos formados por um item mais extenso, designativo da árvore, em que se distingue um sufixo (-eiro, -eira) e outro mais curto, que denota  a madeira:

(1) azinheira (árvore) – azinho («madeira de azinho», «lenha de azinho»)

(2) castanheiro (árvore) – castanho («uma mesa de castanho», ou seja, uma mesa feita de madeira de castanheiro, embora também se diga «madeira de castanho»)

(3) sobreiro (árvore) – sobro (madeira, como em «lenha de sobro»)

Não é este um contraste sistemático, porque o segundo termo de cada par pode ocorrer como denominação da própria árvore (cf. Vasco Botelho de Amaral, Grande Dicionário de de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 2.º volume, 1958, p. 670/671).

Mesmo assim, trata-se de um contraste que pode observar-se em distintos campos lexicais e já entre palavras radicalmente diferentes. Deteta-se assim entre um nome contável que designa uma realidade natural ou produzida por mãos humanas e o nome não contável que se aplica à matéria constitutiva dessa realidade; por exempl...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a regra de acentuação em português para vocábulos que terminem em ditongo, seguido de i ou u.

Por exemplo, o Vocabulário Ortográfico Comum regista Maláui e Piauí. No entanto, um destes acentos parece-me irrelevante. Se acentuarmos Maláui, evitamos que a sílaba tónica seja i, o que parece indicar que o acento em Piauí é irrelevante.

Contudo, se acentuarmos Piauí, evitamos que a sílaba tónica seja au, o que parece indicar que o acento em Maláui é irrelevante.

Poderiam esclarecer esta dúvida?

Obrigado.

Resposta:

A acentuação de Maláui 1 parece decorrer da norma segundo a qual se prevê que casos como os de Piauí tenham acento gráfico sobre o i tónico final. Lê-se no Acordo Ortográfio da Língua Portuguesa de 1990, Base X, 5:

«Levam, porém, acento agudo as vogais tónicas/tônicas grafadas i e u quando, precedidas de ditongo, pertencem a palavras oxítonas e estão em posição final ou seguidas de s: Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús. Obs.: Se, neste caso, a consoante final for diferente de s, tais vogais dispensam o acento agudo: cauim.»

Este preceito vem do anterior acordo de 1945, da parte final da Base XV:

«Dispensa-se o acento agudo nas vogais tónicas i e u de palavras paroxítonas, quando elas são precedidas de ditongo; nos ditongos tónicos iu e ui, quando precedidos de vogal; e na vogal tónica u, quando, numa palavra paroxítona, está precedida de i e seguida de s e outra consoante. Exemplos dos três casos: baiuca, bocaiuva, cauila, tauismo; atraiu, influiu, pauis; semiusto. Quando as vogais tónicas i e u estão precedidas de ditongo, mas pertencem a palavras oxítonas e são finais ou seguidas de s, levam acento agudo: Piauí, teiú

Pergunta:

 Sou praticamente de artes marciais e é muito comum em inglês ouvir-se a expressão de-escalate, principalmente quando se trata de potenciais situações de conflito, ou seja, a expressão faz referência a técnicas que servem para baixar os ânimos em situações de tensão ou propensas à violência. É também uma técnica muito usada pelas forças policiais.

Têm referências ou querem sugerir possíveis traduções para português?

Linguee dá algumas sugestões, mas todas muito fracas linguisticamente. Qual será o antónimo do substantivo escalada ou do verbo escalar?

Resposta:

O verbo e nome ingleses de-escalate (ver Dicionário Infopédia de Inglês) são traduzíveis por desescalar e por desescalada, palavras que se encontram registadas e definidas no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (aqui e aqui), bem como no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e, ainda, já no âmbito da lexicografia do Brasil, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Trata-se, portanto, de antónimos adequados de escalar, no sentido de «atacar cada vez mais (num conflito)», e escalada, na aceção de «tendência para a intensificação de um conflito».

Registe-se também a disponibilidade de alternativas: «abrandar a tensão/o conflito», «atenuar o conflito/os conflitos», «abrandar/atenuar/conter a escalada».

Pergunta:

Caros amigos, encontrei num livro antigo a palavra "asiago", com o sentido de «de mau agouro» (ex: «sexta feira é sempre um dia asiago»).

Não deverá ser "aziago"? Existe "asiago"?

Muito obrigada desde já.

Resposta:

A forma correta é efetivamente aziago.

Note-se, porém, que antes da Reforma Ortográfica de 1911, se escrevia asiago, com s, de algum modo contrariando a etimologia da palavra. Com efeito, do ponto de vista histórico afigura-se mais adequado o z, porque a sibilante correspondente provém de uma antiga africada [ts] em posição intervocálica. Compreende-se melhor este aspeto, tendo em conta que o adjetivo tem origem no «latim tardio *aegytiācu pelo latim Aegyptiăcus, a, um, «egípcio», segundo o Dicionário Houaiss, que esclarece ainda que «o vocábulo era usado na Idade Média para designar dias infaustos, em alusão às pragas do Egito».

 

Pergunta:

A ria em apreço chama-se «Formosa» ou «Ria Formosa»?

A questão prende-se com o possível uso de minúscula em ria.

Segundo o texto da resposta «A palavra ria», aqui no Ciberdúvidas, pode grafar-se «ria Formosa». Contudo, a nota editorial em «Minúscula e maiúscula com rio e ribeira» suscitou-me esta dúvida.

Muito obrigado pelo vosso trabalho.

Resposta:

Pode escrever «ria Formosa», mas recomenda-se «Ria Formosa» como grafia deste hidrotopónimo1, justamente porque não se diz «a Formosa».

Em casos como estes, em que o classificador toponímico (rio, ribeira, ria, mar) faz parte do nome geográfico e é deste inseparável, aconselha-se a maiúscula inicial nos dois elementos2: «Ria Formosa».

 

1 Um hidrotopónimo é um nome que designa uma massa de água que pode pertencer a diferentes tipos identificados por termos como baía, canal, lagoa, lago, oceano, ria, rio, entre outros (cf. Gramática do Português, Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1019).

2 «[...] [P]ropomos [...] as seguintes convenções (aliás também aplicáveis aos outros nomes próprios de base descritiva): (i) quando o classificador (toponímico) é obrigatório, escrever-se-á com letra maiúscula, como em (o) Lago Léman (esse lago não pode sre designado apenas como (o) Léman); (ii) quando o classificador (toponímico) é opcional, escrever-se-á com letra minúsucula, como em (o) rio Tejo (esse rio pode ser designado apenas como (o) Tejo)» (idem, p. 1020).