Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Consulto o dicionário e constato que voluntarismo s. m.:

1. Carácter. do que é voluntário ou voluntarioso.

2. [Filosofia] Doutrina filosófica que concede à vontade primazia sobre o entendimento.

É sabido que os significados de voluntário (que faz de boa vontade, sem constrangimento) e de voluntarioso (teimoso) são completamente diferentes, logo, depreendo que a palavra voluntarismo tenha uma dupla significação, correcto?

Resposta:

A análise do sentido da palavra em diversos dicionários não aponta para a possibilidade de a palavra voluntarismo se associar a voluntário. Dos dicionários consultados (em linha: Porto Editora e Priberam; papel: Houaiss e dicionário da ACL), apenas o da Priberam aponta o sentido que cita em 1, ou seja, coloca em alternativa voluntário e voluntarioso. A descrição mais completa para voluntarismo é a que é dada no dicionário Houaiss, que cito na íntegra, atualizando a grafia:

1. FIL Doutrina que se caracteriza por privilegiar a importância ética, psicológica ou metafísica  da vontade em relação às disposições intelectuais humanas.

   1.1 FIL Doutrina metafísica, identificada pela filosofia de Shopenhauer (1788-1860), segundo a qual a realidade essencial do mundo possui uma natureza análoga à da vontade irracional, sendo portanto incompreensível por meio da intelectualidade pura.

   1.2 PSIC. FIL teoria psicológica (Wundt, por ex.) ou filosófica (notoriamente Nietzche) que professa a importância superior da vontade afetivamente orientada na atividade geral do espírito humano, em detrimento das suas capacidades intelectuais ou racionais.

   1.3 ÉT sistema filosófico (tal como o bergsonismo) que, na procura da perfetibilidade moral do comportamento humano, afirma a prevalência da vontade emocional e afetiva sobre os poderes restritos do intelecto.

2. Comportamento diretivo, a...

Pergunta:

Estou a estudar português, e achava que embora com o verbo ir significava «fora dum lugar», mas numa frase li «vir embora». Que significado tem embora nestes verbos?

Resposta:

Embora, enquanto advérbio, significa, efetivamente, «sair de um lugar», quer se use com o verbo ir, quer o verbo seja vir.

Note-se, no entanto, que o ponto de vista e a posição de quem fala é diferente com cada verbo. Numa frase como «O João foi(-se) embora», a pessoa que fala está no lugar onde o João estava antes de sair desse lugar. Já na frase «O João veio(-se) embora», a pessoa que fala está no lugar para o qual o João se deslocou.

Embora pode ainda ser usado com o verbo mandar («mandar alguém embora»).

Pergunta:

A questão: Escreve o nome coletivo correspondente a cada um dos nomes comuns.

Laranjeira: .........................

Cão: ............................

Ilha: ........................

Está bem formulada?

Resposta:

A formulação de questões em testes deve ter em conta o objetivo a atingir com esse teste, bem como a estratégia adotada para tal. Além disso, importa haver rigor na metalinguagem utilizada, tendo sempre em consideração, claro, o aluno e o respetivo nível de ensino, que condiciona o domínio explícito da metalinguagem. Imagino que o problema levantado com esta questão se prenda com o facto de ambos os nomes, coletivos e não-coletivos, serem comuns e contáveis… Ao estabelecer-se uma dicotomia, inadequada, coletivo-comum, pode induzir-se o aluno em erro, levando-o a pensar que os coletivos não são comuns, quando ambos são comuns e, no caso em análise, contáveis. Por outro lado, vale a pena ter em conta que a explicitação dos conceitos contável/não-contável ocorre apenas no 3.º ciclo (cf. p. 131 dos programas…), ao passo que os conceitos comum (não coletivo) e comum coletivo são matéria do 1.º ciclo (cf. p. 56 dos programas).

Salvaguardada esta questão que implica, por exemplo, substituir «cada um dos nomes comuns», por «cada uma das palavras», ou retirar apenas o termo «comuns», parece-me que o objetivo é identificar se o aluno aprendeu, ou domina, a relação entre nomes comuns contáveis (não coletivos) e nomes comuns contáveis coletivos, ou seja, identificar conhecimento adquirido. Creio que a questão, feito o acerto indicado, permite atingir este objetivo.

Pergunta:

Gostaria de saber se na seguinte frase, «Se receber o cheque original após a suspensão do respetivo pagamento, não conseguirá descontá-lo», a partícula -lo está incorreta (e, se sim, porquê), se ambas as formas são possíveis, ou se deve dizer-se antes: «Se receber o cheque original após a suspensão do respetivo pagamento, não o conseguirá descontar.»

Resposta:

Sempre que temos um grupo de dois verbos seguidos, mesmo que não constituam uma locução verbal, e um deles está no infinitivo, é comum, e recomendado por alguns gramáticos, associar o pronome a esse infinitivo, mesmo nos casos em que, com um só verbo, o pronome viria, obrigatoriamente, para antes do verbo. Isso não impede, no entanto, que a colocação do pronome antes do verbo se possa aplicar, ficando, de certo modo, ao critério de cada um o uso de uma ou outra estrutura.

Saliento, todavia, que alguns gramáticos consideram desviante o uso da próclise nestes casos, aceitando apenas como uso formal aquele em que o pronome se associa ao verbo no infinitivo, ou seja, o primeiro exemplo que aponta.

Em síntese, a meu ver, ambas as frases em apreço são adequadas, embora possa haver quem não aceite como própria de um nível formal da língua a segunda hipótese que apresenta.

Pergunta:

Autoconstrução é uma palavra composta por aglutinação, ou justaposição?

Resposta:

Vale a pena, antes de mais, alertar para o facto de nem todos os estudiosos estarem de acordo sobre a definição de aglutinação e de justaposição. Para uns, há aglutinação sempre que não há hífen; para outros, só há aglutinação quando uma das palavras (normalmente a que se situa à esquerda), sofre alterações que poderão ser a perda de uma ou duas letras ou o ganho de uma vogal de ligação. Assim, a palavra passatempo é, para uns, aglutinada, porque não tem hífen, e, para outros, justaposta, porque é possível, sem quaisquer alterações, identificar as duas palavras-base: passa + tempo.

A par destas situações, outras há em que o primeiro elemento já não existe de forma autónoma na língua, constituindo-se um radical, grego ou latino, usado tão-somente na formação de palavras novas.

Nesta ambiguidade classificativa, há ainda que referir que a palavra auto se reveste de particular complexidade.

Auto é considerado nas gramáticas como um elemento, ou radical, de origem grega (de autos), com o sentido de «autónomo», «próprio» ou «de si próprio». Surge desta forma em palavras como autoconfiança, autoavaliação, etc.

Curiosamente, a partir da palavra automóvel, em que entra este elemento, passou a utilizar-se um outro, homónimo, mas constituindo uma truncação de automóvel. Esta truncação está presente em palavras como autoestrada, autódromo, etc.

Na pa...