Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Usando a conjunção pois será correcto aplicar uma próclise de seguida?

Ex.: «(...) pois me comprometi a fazê-lo.»

Grato pela atenção.

Resposta:

A próclise, nessa situação, não é comum no português europeu. Devemos escrever «(…) pois comprometi-me».

Esse é, aliás, um dos aspectos referidos, por vezes, por quem defende que pois é uma conjunção coordenativa, embora haja também muito quem, com razão, considere que não estamos perante uma verdadeira conjunção.

Pergunta:

Sou professora na Colômbia para falantes hispanos, e uma aluna quer saber a diferença entre trocar e mudar. Eu sei como usar esses dois verbos, mas gostaria de dar-lhe uma boa resposta e bem completa, se possível com exemplos.

Muito obrigada, fico no aguardo da sua resposta.

Resposta:

O verbo mudar tem alguns sentidos semelhantes aos de trocar: «alterar», «substituir».

Ex.: «Trocaste os móveis» (= Mudaste de móveis. Substituíste os móveis).

Além disso, mudar significa:

a) Deslocar-se de um local para outro: «Mudaste de casa.»
b) Alterar o comportamento: «Estás mudado.»
c) Organizar as coisas de outro modo: «Mudaste os móveis» (diferente de «Mudaste de móveis», que significa que foram comprados móveis novos).
d) Desviar, tomar outro sentido: «O carro mudou de direcção.»
 

Por seu lado, trocar, além do sentido já apontado de «alterar, substituir», significa:

a) Permutar: «Trocámos experiências»; «Trocámos de cargo.»
b) Pegar numa coisa em vez de pegar noutra: «Trocou os documentos.»
c) Cambiar: «Trocou euros em dólares.»
d) Dizer uma coisa em vez de dizer outra: «Trocou os discursos» (é diferente de «Mudou o discurso», em que o que se diz é que houve mudança de comportamento). 
 

Bom trabalho!

Pergunta:

Quando se fala da transformação do discurso directo para o indirecto, refere-se sempre a passagem do enunciado em 1.ª ou em 2.ª pessoa para enunciado em 3.ª pessoa e exemplifica-se com enunciados onde isso acontece, porém parece-me que há enunciados em 1.ª pessoa ou em 2.ª pessoa que no discurso indirecto se mantêm nessas pessoas. Vejamos, por exemplo, os seguintes enunciados: Discurso directo: «— Sou estudante.»/ Discurso indirecto: «Afirmou que era estudante.» Mas também pode ser: «Afirmei que era estudante.» Discurso directo: «— Fui a minha casa.» Discurso indirecto: «Disse que tinha ido a sua casa.» Mas também pode ser: «Eu disse que tinha ido a minha casa.» No discurso indirecto, os enunciados também se fazem na primeira pessoa ou 2.ª pessoa. Estou errada? As gramáticas não explicam estes casos.

Agradeço uma resposta.

Resposta:

Segundo Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, o «discurso indirecto pressupõe um tipo de relato de carácter predominantemente informativo e intelectivo, sem a feição teatral e actualizadora do discurso directo», p. 632. Por essa razão, as regras do discurso indirecto previstas nas gramáticas apontam sempre para uma situação de discurso distanciado em que alguém informa acerca do que outrem disse. Ou seja, o narrador, ou locutor, incorpora no seu próprio discurso o discurso das personagens, ou dos interlocutores. A par desta situação, os autores da gramática já indicada apontam ainda para a possibilidade de narrador e personagem se confundirem. Dão como exemplo a seguinte frase: «Engrosso a voz e afirmo que sou estudante», p. 632.

Temos, pois, num discurso da primeira pessoa, a inserção de um verbo declarativo que introduz uma completiva,  como acontece no discurso indirecto, apesar de as marcas serem de primeira pessoa. Creio que o mesmo acontece em outros contextos que não obedecem estritamente às regras gramaticais previstas. Isso acontece sobretudo quando, em presença, se altera um discurso directo em indirecto, quer por repetição da mesma pessoa quer por interpelação de outro. Nesta situação, apesar de haver uma «feição teatral e actualizadora do discurso directo», como referem os autores da gramática já citada, ocorre muitas vezes a introdução do verbo declarativo e subsequente oração completiva, como nos exemplos abaixo: 

1. «Estás a dizer que vais ao cinema?»
2. «Disseste que ias ao cinema?»
3. «O que disseste?» 
«Disse que vou ao cinema.»

O problema que se levanta a um professor é saber até onde ir na explicação que apresenta aos seus alunos. E isso dependerá sempre do nível de conhecimento e de maturidade linguística que a turma, ou o aluno, tiver e, claro!, ...

Pergunta:

O hormônio glucagon, muito discutido nas aulas de bioquímica, causou-me uma dúvida quanto à sua pronúncia: embora quase a totalidade dos professores pronunciem a palavra como se fosse paroxítona (ou grave), sempre soube que se trata de uma aguda (ou oxítona), uma vez que sempre utilizo as três possibilidades de tonicidade para conferir, de acordo com as regras de acentuação, se a profiro de maneira correta. Assim, se fosse esdrúxula, seria acentuada, já que todas as proparoxítonas são acentuadas: "glúcagon". Se se tratasse de uma palavra grave, também seria acentuada, já que se acentuam as paroxítonas terminadas em "n" (próton, fóton, elétron e cátion, por exemplo): "glucágon". Ora, com esta análise, por eliminação e por ter em mente que as palavras agudas terminadas em "n" não levam acento, concluo que se trata de uma palavra aguda ou oxítona. Gostaria de saber se estou correto ou não e por quê.

Resposta:

A sua análise está correctíssima. Trata-se, efectivamente, de uma palavra aguda. Numa consulta ao Vocabulário Ortográfico Português, disponível no Portal da Língua Portuguesa, além da palavra em si, são-nos fornecidas diversas informações, entre as quais a indicação da sílaba tónica. E aí a palavra aparece como glu.ca.gon. Com a divisão silábica e com indicação da sílaba tónica.

Porém, a verdade é que a grande maioria das palavras terminadas em -n no português são graves, havendo, mesmo, algumas esdrúxulas. Quando agudas, são, habitualmente, consideradas estrangeirismos, sendo grafadas em itálico. É o que acontece, por exemplo, com vison no Dicionário Houaiss, onde, no entanto, glucagon ocorre sem itálico. Por outro lado, as palavras agudas terminadas em -on têm tendência a evoluir, transformando o -n em -m, como em baton > batom, ou o -on em -ão, como acontece em biberon > biberão.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem acerca dos fenómenos fonéticos ocorridos na evolução da palavra patrem até à forma pai. Normalmente, as explicações resumem-se às formas patrem > patre > padre. E daí até à forma pai, que fenómenos aconteceram?

Grata pela atenção dispensada.

Resposta:

O vocábulo pai, que já ocorre no séc. XIII, ainda que pontualmente, tem uma evolução obscura, digamos assim. A versão mais corrente explica a origem da palavra a partir de padre, tendo como origem a generalização de uma pronúncia infantil, em que se verifica a síncope do r: *pade. Seguir-se-ia a síncope do d e a alteração do ponto de articulação da vogal. Teríamos, pois, globalmente, patrem > patre > padre >*pade > pae > pai.