Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria que me fizessem um paralelo entre semântica estática e semântica dinâmica.

Resposta:

Não sei, exactamente, a que área do saber se reporta a sua questão, uma vez que expressões como «semântica estática» e «semântica dinâmica» são usadas, por exemplo, na informática, em linguagem de programação.1

Do ponto de vista linguístico, e de uma forma muito simplista, poderemos dizer que a semântica estática se associa a uma situação não dinâmica, ou seja, que não implica uma mudança de estado e que se prolonga no tempo. São exemplo de situações estativas frases como «Ele mora em Lisboa» ou «Ela sabe inglês».

Por seu lado, a semântica dinâmica está subjacente em enunciados que impliquem uma mudança de estado, como «O João saiu», ou «Li o livro».

1 Num trabalho disponível na Internet (consulta em 14/03/2011), encontra-se, de modo muito sucinto, a seguinte definição de semântica estática e semântica dinâmica: «As regras semânticas podem ser classificadas em estáticas ou dinâmicas dependendo do momento em que são checadas (compilação ou em tempo de execução).»

Pergunta:

«O Dr. Marcelo, ladino como é» – concluiu ela, afinal –, «certamente atinou com coisa melhor do que um simples resfriadinho.»

No trecho acima, está correta a pontuação, especialmente a colocação da vírgula após o segundo travessão?

Obrigado.

Resposta:

Sim,  a pontuação está correcta. O exemplo é excelente para explicar em que situações pode, ou deve, ocorrer uma vírgula depois de um travessão ou de um parênteses curvo. Repare que a mensagem principal é «O Dr. Marcelo certamente atinou com coisa melhor do que um simples resfriadinho». A esta mensagem principal foi introduzido um comentário da personagem que profere a frase: «ladino como é». Este comentário funciona como um aposto e deve ocorrer entre vírgulas. Entre o comentário da personagem e a restante frase surge de novo um comentário, desta feita do narrador, colocado entre travessões, como costuma acontecer sempre que a informação do narrador surge no interior da frase. Ora, em situações como esta, a vírgula que deveria fechar o comentário da personagem deve ser deslocada para o final do segundo comentário, ou seja, após o travessão que fecha o comentário do narrador, embora fique fora das aspas que marcam o discurso directo. Se pensarmos bem, as aspas marcam a fala, ao passo que a vírgula obedece, neste caso, a uma convenção sintáctica, digamos assim, da escrita.

Pergunta:

Encontro a palavra onis quando é referida uma palavra em latim, seguindo-se onis, separada da anterior por vírgula. Ex.: do latim creatio, onis. Agradeço o que significa e a sua função.

Resposta:

Os nomes, ou substantivos, latinos surgem no dicionário com os casos que são usados na sua enunciação: o nominativo e o genitivo, este, habitualmente, representado apenas pela terminação. O exemplo que refere é da terceira declinação, cujo genitivo do singular termina em -is. Sendo uma declinação muito produtiva e muito variada (contém palavras de tema em i e de tema em consoante), por vezes há uma diferença entre o radical do nominativo e o radical do genitivo. Nesses casos, o genitivo inclui a variação que ocorre entre os dois casos. É o que acontece no exemplo que apresenta – creatio, onis –, que, por extenso, seria creatio, crationis. Se quisermos traduzir, teríamos: «a criação, da criação», respectivamente.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida:

Diz-se:

«Alentou-os a orgulhar-se de serem bons cidadãos», ou «Alentou-os a orgulharem-se de serem bons cidadãos»?

«Foram convidados para dois eventos, a realizar-se no próximo mês», ou «... a realizarem-se no próximo mês»?

Flexiona-se o infinitivo quando este é regido da preposição a?

Resposta:

No caso dos exemplos que apresenta, nada impede a flexão do verbo, sendo, mesmo, mais elegante, no primeiro exemplo, que ambos os infinitivos, tendo como sujeito a mesma entidade plural, ocorram no mesmo número: «Alentou-os a orgulharem-se de serem bons cidadãos.»

A restrição que está subjacente à sua questão prende-se com locuções verbais, veiculando uma ideia de continuidade de acção nas quais entra o auxiliar estar seguido da preposição a mais infinitivo não flexionado: «estou a ler», «estamos a ler». Nestes casos, o plural é assumido pelo auxiliar, e não pelo infinitivo.

Pergunta:

A minha dúvida que gostaria de ser esclarecida se refere ao uso do infinitivo simples e composto. Na imprensa em geral, observo que, para um mesmo contexto, são utilizadas as duas formas, por exemplo, nos seguintes casos: 

1a) «Acusado de matar o Zé, fugitivo da justiça foi preso ontem.»
1b) «Acusado de ter matado o Zé, fugitivo da justiça foi preso ontem.»
2a) «Depois de ter matado o próprio filho, homem quase foi linchado pelos vizinhos.»
2b) «Depois de matar o próprio filho, homem quase foi linchado pelos vizinhos.»
3) «Um turista morreu hoje ao cair/ter caído do varandim do elevador.»
 

Em contextos como esses, nos quais minha parca sensibilidade linguística quase sempre me induz a usar o infinitivo composto, observo que, apesar de usarem as duas formas, na imprensa em geral há uma preferência pelo infinitivo simples.

Analisem o seguinte texto do sítio uol.com.br:

«Apontado como um dos culpados pela derrota por NÃO ESTAR em campo na partida que culminou com a eliminação do Corinthians pelo Tolima na Libertadores — ALEGOU ESTAR com dores na coxa —, Roberto Carlos se queixou de estar sofrendo ameaças de torcedores e prometeu deixar o clube.»

No contexto acima, as formas «não estar» e alegou estar» estão bem postas, ou poderiam ser substituídas pelas compostas «não ter estado» e «alegou ter estado»?

Mudando de assunto, por favor, analisem os seguintes exemplos: 

4) «O policial militar CONFESSOU QUE MATOU a jornalista, porque ela teria reagido depois de TER SIDO sequestrada.»

a) Há anterioridade de ação que talvez justificasse escrever «confessou que tinha (havia) matado»?
b) Está correta a forma composta «ter sido»?

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Resposta:

Obrigada pelas suas palavras simpáticas.

Quanto ao uso dos tempos compostos, é, efectivamente, muito mais frequente a utilização dos tempos simples na comunicação social, havendo, muitas vezes, orientações explícitas nos livros de estilo para esta opção. No caso dos exemplos 1a), 1b), 2a) e 2b) acima, não há grande alteração de sentido, uma vez que a locução temporal «depois de» nos permite situar as acções uma em relação à outra. Em 3), creio que a mensagem é um pouco distinta. Desdobro os exemplos e numero-os como 3a) e 3b): 

3a) «Um turista morreu hoje ao cair do varandim do elevador.»
3b) «Um turista morreu hoje depois de ter caído do varandim do elevador.»

Em 3a), a morte terá ocorrido durante a queda. Em 3b), que me parece ficar mais formal se substituirmos «ao» por «depois de», a morte, ocorrendo embora por causa da queda, aconteceu posteriormente.

O exemplo retirado da comunicação social ilustra o que referi acima, sobre a preferência dos tempos simples. 

4) «O policial militar confessou que matou a jornalista, porque ela teria reagido depois de ter sido sequestrada.»

Uma vez mais, a opção por um tempo simples em «matou» deve-se ao facto de haver a opção já apontada pelos tempos simples. Porém, do ponto de vista formal, a frase ficaria mais rica se fosse usado o tempo composto «tinha matado». Em Portugal, o uso do verbo haver como auxiliar dos tempos compostos está em desuso.

Quanto à forma «ter sido», ela está correcta, pois estamos perante uma forma passiva do verbo, sendo o auxiliar da passiva, verbo ser, a suportar as alterações ou características da conjugação do verbo. Assim, a forma simples seria «ser sequestrada». Ao c...