Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
40K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo transformar-se poderá ter valor copulativo, visto que o tornar-se se enquadra nessa classificação. Por exemplo, na frase «O Luís transformou-se num cirurgião brilhante», «num cirurgião brilhante» poderá exercer a função de predicativo do sujeito?

Resposta:

Tradicionalmente, um verbo copulativo é aquele que estabelece a ligação entre o sujeito e o predicativo do sujeito, concordando este, quando é um nome ou um adjectivo, com o sujeito em género e número. Vejamos se tal acontece com o verbo transformar-se:

(1) «O Luís transformou-se num cirurgião brilhante.»
(2) «Eles transformaram-se em cirurgiões brilhantes.»
(3) «Elas transformaram-se em óptimas profissionais.»

Pelos exemplos, creio que se pode, em contextos semelhantes, considerar o verbo copulativo.

Pergunta:

Qual destas formulações é a mais correcta?

— «Forma conjuntos com bolas da mesma cor.»

— «Forma conjuntos de bolas da mesma cor.»

Obrigado.

Resposta:

A preposição mais utilizada com o nome conjunto é de. No entanto, tendo em conta alguns dos sentidos veiculados pelas duas preposições (de: inclusão numa classe; característica genérica; constituição: «conselho de ministros»; com: meio ou instrumento; matéria de um conteúdo: «copo com vinho»; adição ou adjunção; matéria; finalidade, objectivo), creio que ambas as frases são correctas.

Com efeito, na frase «Forma conjuntos com bolas da mesma cor», as bolas podem ser consideradas o instrumento utilizado para formar os conjuntos, ao passo que em «Forma conjuntos de bolas da mesma cor» se destaca a constituição do conjunto, ou a sua característica genérica.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra condicionador, que tem vindo a ser utilizada por algumas marcas de cosmética capilar para designar amaciador, está bem traduzida do inglês conditioner. Trata-se de um falso cognato?

O meu comentário vem na sequência da resposta dada à pergunta colocada sobre a correcta tradução de inglês conditioner no que aos produtos de cosmética capilar diz respeito.

Efectivamente, e se nos referimos a um produto cuja função é amaciar ou tornar suave como é o caso da roupa por exemplo, a tradução correcta é amaciador.

No entanto, em cosmética capilar, esta tradução não é correcta! Em inglês a palavra conditioner vem traduzir-se em português para condicionador, ou seja, um produto que dá condição ao cabelo. Isto porque os condicionadores não visam apenas ou exclusivamente a tornar o cabelo suave mas sim, e de acordo com a tecnologia, visam fechar a cutícula capilar proporcionando melhor penteabilidade, brilho e, de acordo com as linhas, outro qualquer benefício adicional (por exemplo: volume, fortalecimento, protecção para a cor, reestruturação, sedosidade, etc). Desta forma, estamos a falar de um produto que dá condição ao cabelo, e a tradução é, por isto mesmo, condicionador.

Espero ter ajudado a esclarecer, neste tipo de produto específico, o porquê da tradução para melhor elucidar quaisquer dúvidas.

Resposta:

O seu esclarecimento, que agradecemos, desencadeia outras questões. Antes de mais, ao limitar o sentido de amaciador da forma como faz, deixa de fora áreas da cosmética, como a dos amaciadores de cutículas, por exemplo, além de excluir um conjunto razoável de profissionais e de marcas que usam, e comercializam, amaciadores capilares, a julgar pelos milhares de respostas a uma pesquisa Google com base em expressões como «amaciador de cabelo» e «amaciador capilar»… E há mesmo marcas que vendem por exemplo «Leite de Styling Amaciador»!

Por outro lado, o termo amaciador como tradução de conditioner já está atestado em dicionários bilingues! No Dicionário de Inglês-Português, da Porto Editora, edição de 1998, diz-se que conditioner é «amaciador; creme hidratante», e associado a hair, «amaciador para o cabelo». Segundo o Dicionário Houaiss, de 2002, condicionador, em cosmética, significa o mesmo que amaciador. O mesmo dicionário, em amaciador, diz «que torna o cabelo mais macio, desembaraçável e sedoso».
No Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004, também se associam as duas palavras à cosmética capilar, considerando-se como significado mais vasto de condicionador «que condiciona ou impõe condições».

Uma breve pesquisa por páginas de marcas de produtos capilares permite concluir que o termo condicionador não tem para essas marcas, a julgar pela diversidad...

Pergunta:

Seria possível explicarem a formação e o significado da palavra entreolharam? Existe algum recurso estilístico de importância neste conto (A Infinita Fiadeira, de Mia Couto)?

Resposta:

Antes de mais, a palavra entreolharam é uma forma verbal, e, se acaso se refere à forma que ocorre no conto que indica, importa verificar que é pronominal: «E os humanos se entreolharam, intrigados.»
Tratando-se de uma forma verbal, a pesquisa nos dicionários terá de fazer-se através do infinitivo… Que, neste caso, é entreolhar-se.

Procurando este verbo, por exemplo, no Dicionário Houaiss, vemos que tem como significado «olhar-se reciprocamente». Ou seja, A olha para B ao mesmo tempo que B olha para A.

Na base da palavra está o elemento de formação entre- e o verbo olhar. Sobre os sentidos do verbo olhar não me alongo. Sobre o elemento de formação entre-, diz-se, no mesmo dicionário, no ponto 3 do verbete respectivo, que veicula o sentido de reciprocidade e no ponto 4 indica-se que veicula uma ideia de brevidade («quase, um pouco, ligeiramente»). Creio que em entreolhar coexistem estes dois sentidos. O de «olhar reciprocamente», daí o pronominal recíproco que se associa ao verbo, e o de «olhar por breves instantes».

Quanto aos potenciais recursos estilísticos presentes no conto, haverá, sem dúvida, muitos, a começar pela leitura alegórica ou metafórica que dele poderá fazer-se, com o inevitável recurso à personalização do mundo dos aracnídeos… Não caberia, porém, nesta resposta, uma indicação cabal e exaustiva que satisfizesse a sua pergunta. Aconselho-a, para começar, a explorar a relação entre a forma como os dois mundos, o das aranhas e o dos homens, reagem à arte e a comparar essa reacção com a que se esperaria por parte dos homens. Poderá, a seguir, problematizar o que significará esta atitude dos homens. Que mensagem lhe estará subjacente.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da frase «Você, leitor, quer passar-se?», que eu vi em http://pauloquerido.pt/tecnologia/voce-leitor-quer-passar-se/. O responsável pelo site tentou explicar com:

«Dativo, está a ver o inglês freak out? É nesse sentido.» E eu continuei sem entender nada. Não sei se ele se refere a uma expressão inglesa ou a algum programa com o mesmo nome. Também a expressão «... está a ver» não faz muito sentido. Seria: «está(s) vendo/assistindo»?

Muito obrigado pela ajuda.

Resposta:

O verbo passar-se, enquanto pronominal, tem, entre outros, o sentido de «perder o juízo, endoidecer». Em sentido figurado, e em contextos como o que indica, tem o sentido de «perder a cabeça, ficar descontrolado, sem reacção». Pode ter um sentido mais negativo ou mais positivo, dependendo do contexto em que o verbo ocorre, ou seja, uma pessoa pode passar-se de entusiasmo, quando lhe acontece uma coisa muito boa de que não estava à espera, ou passar-se de medo ou de raiva, quando lhe acontece algo mau de que também não estava à espera. Às vezes uma pessoa passa-se porque, pura e simplesmente, não consegue reagir de forma adequada perante uma dada situação. A sua dúvida leva-me a pensar que este sentido seja mais característico de Portugal. Efectivamente, nos dicionários editados no Brasil que consultei, não vi este sentido descrito.

A expressão «está a ver» é, também, característica do português europeu. Corresponde a uma das formas de fazer a perifrástica, que no Brasil se faz, sobretudo, com o verbo auxiliar, mais gerúndio (está vendo). Nós por cá dizemos a mesma coisa mas com o verbo auxiliar, mais a preposição a, mais o verbo no infinitivo (está a ver).