Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor
Défice do português básico

«(...) No mínimo surpreendente a ausência de qualquer cuidado editorial na publicação de uma notícia com tantos erros (primários) em tão poucas linhas. Mais estranho, ainda, por acontecer precisamente no jornal que fez do Acordo Ortográfico a fonte de todos os atropelos à língua portuguesa. (...)»

Os Jogos Olímpicos do Rio de A a Z

A propósito dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016, um curto glossário à volta da diferença, por exemplo, entre olimpíada e olimpíadas, olímpico e olimpismo, arena, estádio ou pavilhão. E muito mais.

Pergunta:

No livro Não é errado falar assimMarcos Bagno menciona telefonema como substantivo de gênero variável. Eu nunca ouvi «a/uma telefonema» em Botucatu, SP, Brasil, sempre «o/um telefonema» (se se tornou feminino nestes últimos anos, não saberia dizer). Procurando no Twitter, noto que pessoas de várias regiões do Brasil usam, efetivamente, o substantivo como feminino, mas não só no Brasil, algumas em Portugal também, apesar de «o/um telefonema» continuar a ser a forma maioritária em ambos os países. Têm alguma informação a respeito?

Resposta:

Na maioria dos dicionários pesquisados, o substantivo telefonema surge como masculino; não obstante, o Dicionário Houaiss, em nota etimológica, regista o uso de telefonema no feminino, embora o classifique como vulgar: «telefone + -ema (masc., vulgarmente fem.)». Isto significa que, no português popular do Brasil, é possível atestar usos de telefonema no feminino (no português de Portugal, parece ainda raro). Note-se, porém, que se trata de um feminino que não é aceite pela chamada norma-padrão, mesmo no Brasil, como comprova o registo da palavra por Maria Helena de Moura Neves (Guia de Usos do Português, 2003) e Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª ed. 2002, p. 139), autores que mencionam telefonema justamente para assinalar que lhe é dado o género masculino. Este vocábulo vem do grego tẽle, «longe» + phónema, «som da voz».

A utilização do determinante artigo feminino, tanto definido como indefinido, antes da palavra [como acontece principalmente no Brasil] só pode ser entendida devido à finalização em -a, vogal característica do feminino na língua portuguesa. Este uso poderá estar a generalizar-se, e daí a obra Não é errado falar assim, de Marcos Bagno, mencionar telefonema como substantivo de género variável. A perspetiva de Marcos Bagno inscreve-se numa corrente de opinião no Brasil, segundo a qual o uso da língua deve estar menos sujeito às restrições e censura da tradição da gramática prescritiva, e devem aceitar-se os dados da descrição linguística. Contudo, enquanto a sua utilização não for consagrada pelo uso culto...

Pergunta:

As minhas dúvidas são as seguintes:

1. Na frase «não se fazem queimadas no verão porque é a partir daqui que surgem grande parte dos incêndios», o verbo a negrito (surgir) está corretamente conjugado na 3.ª pessoa do plural, ou, pelo contrário, deve aparecer conjugado no singular (surge)?

2. Deve dizer-se «quando se faz fogueiras», ou «quando se fazem fogueiras»?

Grata desde já pela atenção dispensada.

Resposta:

1.  O verbo não deve estar no plural, mas, sim, no singular. Na oração causal, o sujeito «grande parte» admite singular ou plural. Porém, uma vez que o sujeito está posposto ao verbo, este deve ir para o singular. Assim, a frase deverá ficar:«não se fazem queimadas no verão porque é a partir daqui que surge grande parte dos incêndios»;  no entanto, caso o sujeito estivesse na posição canónica, eram possíveis quer o singular quer o plural.

2.  Depende do caso. Se se desejar indeterminar o sujeito, dir-se-á: «quando se faz fogueiras...», pretendendo-se transmitir, «quando alguém faz fogueiras...». Mas se se tem o intuito de expressar: «quando são feitas fogueiras...», deve optar-se pela segunda frase, predominando a  voz passiva sintética, acompanhada do pronome -se.

N. E. –(12/09/2016) Agradecemos ao consulente João de Brito uma observação enviada em 9/09/2016, segundo a qual, na chamada construção passiva sintética («quando se fazem fogueiras»), a forma se não tem estatuto pronominal e, portanto, deve ser classificada como partícula apassivante, de acordo a terminologia gramatical mais antiga. Gostaríamos de de precisar que, em Portugal, antes de vigorar o Dicionário Terminológico (DT) no estudo da gramática nos ensinos básico e secundário, a 

Pergunta:

 «Pessoa importuna não é BOA camarada»,

ou

«Pessoa importuna não é BOM camarada»?


Grato pela resposta, desejo-vos umas ótimas férias.

Resposta:

Recomenda-se: «Pessoa importuna não é boa camarada.» Repare-se que o sujeito da frase é «pessoa importuna», cujo núcleo é um nome feminino – pessoa. Por sua vez, camarada é um nome comum de dois géneros, e o constituinte nominal de que faz parte – «boa camarada» – tem a função de nome predicativo do sujeito. Como o sujeito é feminino, a expressão nominal que o qualifica deve ir, também, para o feminino.

Porém, parece-nos que não é impossível «bom camarada», uma vez que pessoa é um nome sobrecomum, ou seja, referencialmente, aplica-se a entidades dos dois géneros: «O João é uma pessoa inteligente»/«A Irene é uma pessoa inteligente». Frases em que o verbo ser identifica duas expressões nominais (como pode também ser o caso da frase em apreço) podem apresentar essas discrepâncias de género: «O meu cônjuge é uma mulher extraordinária.»