Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor
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«Lembro-me que, quando era pequena, colecionava fotografias de vários aviões de combate, enquanto as outras meninas colecionavam bonecas! Acabei por desistir da escola muito cedo. estudei mais tarde, afim de obter a minha licença de piloto.»

"Mélanie Astles [...] 'O meu lugar é no meio das nuvens'", Metro, 4/03/2016

A presença feminina no Red Bull Air Race é novidade, demonstrando que os altos voos não são propriedade exclusiva dos homens. E a entrevistada, Mélanie Astles, surge descontraída a falar da sua paixão, pilotar aviões, remontando à sua infância para a explicar e afirmando que «O meu lugar é no meio das nuvens». O sonho de pilotar um jato foi posto de parte, apelidado mesmo de impossível, apesar de Mélanie ser uma mulher de armas, cingindo-se, por isso, aos aviões antigos e desportivos que lhe transmitem sensações de medo, prazer e desafio. (...)

Pergunta:

É correto dizer-se «solicitando aos trabalhadores para não assinarem»? Ou seja, pode-se usar «solicitar para», ou é incorrecto?

Resposta:

O verbo solicitar rege a conjunção que, e não a preposição para. Por esse motivo, é correto escrever: «solicitando aos trabalhadores que não assinem», e não «solicitando aos trabalhadores para não assinarem». De acordo com o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (Texto Editores, 2007), o verbo solicitar pode selecionar uma oração completiva infinita introduzida por que; em alternativa, é possível ter associada uma oração de infinitivo, mas, neste caso, o alvo da solicitação (na sequência em questão, «os trabalhadores») ocorre como complemento direto: «solicitando os trabalhadores a não assinarem...» (ver também solicitar no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

No verso «à barca, à barca da vida», qual é o recurso expressivo? Eu considero que é uma metáfora, mas um aluno disse que achava que era uma anáfora por causa da repetição.

Qual é a vossa opinião?

Resposta:

Ambos estão certos, se a incidência da análise for em segmentos diferentes. Será uma anáfora se considerarmos a expressão «à barca, à barca...», que figura reiteradamente no Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Como se sabe, a anáfora consiste na repetição de uma palavra ou expressão no início de uma frase ou numa dada posição de uma frase ou verso com o intuito de reforçar uma ideia.

Noutra perspetiva, se analisarmos a expressão «à barca da vida» (quadro dos Cavaleiros, no referido auto vicentino), poderemos considerar que se trata de uma metáfora, pois a vida e o seu desenvolvimento são equiparados a uma barca num rio ou mar. A vida flui como as águas do mar. A metáfora transporta palavras de outro campo lexical para um contexto que, a priori, do ponto de vista do significado, não lhe deveria pertencer, tendo uma comparação intrínseca sem a partícula como ou elementos gramaticais afins.

Pergunta:

A frase abaixo tem, ou não, vírgula? Se tem, por favor, indiquem o motivo.

«Sou revisora de texto, formada em Letras pela Unesp.»

A frase entre aspas é a frase sobre a qual tenho dúvida.

Obrigada.

Resposta:

Se desejar que a frase tenha uma função explicativa, ela terá vírgula, uma vez que antes de um particípio passado com função adjetival que se segue a um nome («revisora») deve existir uma vírgula. A expressão «formada em Letras pela Unesp» pode ser considerada uma oração adjetiva reduzida que se apelida de explicativa apositiva, sendo estas sempre limitadas por vírgulas [«As orações subordinadas relativas explicativas são separadas por vírgulas» [Barros, Vítor Fernando. (2011). Gramática da Língua Portuguesa. Âncora editora. Edições Colibri, p. 94].

No entanto, se a leitura for restritiva, dispensa-se vírgula. Mantendo o particípio passado as suas propriedades verbais, e, se numa relativa é possível termos, ou não, a vírgula em função de a relativa ser explicativa ou restritiva, então, ao omitir a estrutura relativa para apenas empregar o particípio passado (como uma oração reduzida), é possível adotar o mesmo critério com a vírgula.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "páteo" existe e se é correto utilizá-la. Pergunto, porque a encontro aplicada, nomeadamente em nomes de estabelecimentos comerciais, mas não a encontro no dicionário – aí, consta apenas pátio, com i.

Obrigada!

Resposta:

Páteo era a grafia existente antes de a reforma ortográfica de 1911 ter fixado a forma atual, pátio. Por exemplo, no Dicionário Prático Illustrado de Jayme de Séguier, de 1910 (Lisboa, Empresa do Dicionário Prático Illustrado, p. 845), poderá encontrar-se a palavra com a grafia antiga e o seu significado. Após 1911, a sucessão de acordos ortográficos e as regras que se incrementaram consolidaram pátio na escrita. A razão pela qual se observa páteo em vários estabelecimentos prende-se com a possibilidade de o estabelecimento ser antigo ou porque está na moda dar um ar clássico.