Gonçalo Neves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Gonçalo Neves
Gonçalo Neves
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Tradutor de espanhol, francês, inglês, italiano e latim; especialista em Interlinguística, com obra publicada (poesia, contos, estudos linguísticos) em três línguas planeadas (ido, esperanto, interlíngua) em várias revistas estrangeiras; foi professor de Espanhol (curso de tradução) e Português para Estrangeiros no Instituto Espanhol de Línguas; trabalhou como lexicógrafo na Texto Editores; licenciado em fitopatologia pela Universidade Técnica de Lisboa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe alguma relação etimológica entre filistino e palestino?

Resposta:

Em português, existem dois termos, filisteu (do latim Philistaeu‑) e filistino (do latim Philistinu‑), para designar o povo que habitava a Filisteia, um território situado no sudoeste do Levante mediterrânico e constituído por cinco cidades principais, entre elas Gaza, que é manchete frequente nos jornais em todo o mundo, e sempre pelos piores motivos. Este povo foi protagonista de constantes refregas com os israelitas, de que faz eco o Antigo Testamento, sobretudo o Segundo Livro de Samuel. O referido território confinava com o Reino de Israel a norte e com o Reino de Judá a este.

Nas traduções bíblicas em português, é filisteu o termo que prevalece, em detrimento de filistino. Já na chamada Nova Vulgata, são nada menos do que quatro os termos utilizados: Philisthim (158 vezes), Philistaeus (57 vezes), Philist(h)inus (57 vezes) e Palaestinus (6 vezes). Quanto ao território, o vocábulo Philist(h)aea, «Filisteia», aparece apenas 8 vezes, mas os tradutores recorrem por vezes a outras expressões para o designar, por exemplo: terra Philisthim (Ex 13:17, 1Rs 5:1), terra Philisthinorum (1Sam 27:1, 31:9), «terra dos filisteus», regio Philisthim (Js 13:2), regio Philisthinorum (1Sm 6:1), «região dos filisteus». O termo Palaestina, porém, não é ut...

Em busca de uma tradução para o inglês <i>membership</i>

Um dos nossos consultores – Luciano Eduardo de Oliveira – confrontou-se com o seguinte problema de tradução: «[Num texto alemão] que estou a traduzir aparece muito a palavra Mitgliedschaft, equivalente ao inglês membership e ao espanhol membrecía. Na maioria das vezes dou voltas à frase para evitar o problema, mas pergunto-me se não há mesmo um termo em português para isso. Pensei em filiação, mas às vezes essa palavra também não cabe.» Em busca de uma tradução adequada das palavras em causa, entre elas membership, outro consultor, Gonçalo Neves, elaborou o comentário que adiante se apresenta.

Pergunta:

Qual a relação/origem da palavra salsa com sal?

Resposta:

Os dicionários consultados são unânimes: salsa provirá do latim salsa (herba), «erva salgada». Ora, o adjetivo salsa, em latim, é a forma feminina de salsus («salgado»), particípio do verbo sallo («salgar»), que deriva de sal («sal»). A relação etimológica entre salsa e sal parece, pois, inegável. O que já não parece tão óbvio é a razão de ser de tal derivação, ou seja, não se percebe muito bem o que terá a salsa que ver com o cloreto de sódio...

É sabido que a salsa tem um sabor forte, mas poderá este classificar-se como salgado, em vez de simplesmente picante? A verdade é que, em latim, existiam termos específicos (por exemplo, acer e mordax) para exprimir o sabor picante. Neste dicionário, sugere-se que, por extensão de sentido, «salgado» seria «o que dá gosto à comida». Já neste ensaio, intitulado Da metáfora funcional e algumas implicações, da autoria do linguista brasileiro Celso Ferrarezi Júnior e publicado pela Editora Universidade Federal de Rondônia (Edufro) em 2003, se sugere que o sentido de herba salsa «pode ser reconstruído como “erva salgada” ou “erva de cozinhar comida salgada”» (p. 8)...

A verdade é que não encontro em nenhum dicionário, nem naqueles que abarcam a latinidade medieval, nenhuma referência a herba salsa ou salsa herba. O que encontro, na página 286 do

Pergunta:

Informe-me, por gentileza, a origem da palavra cúria (sentido clerical). Há alguma relação com a palavra cura (restabelecimento da saúde)?

Resposta:

O nosso vocábulo cúria provém do latim cūria, que designava cada uma das divisões do povo romano, bem como o lugar onde estas se reuniam. Por extensão de sentido, referia-se ainda ao local onde se reunia o senado ou qualquer outra assembleia, e ao próprio senado.

Quanto a cura, provém do latim cūra, que significava primordialmente «cuidado, diligência» (aceção que mantém em italiano) e, por extensão de sentido, «direção, administração», «cuidados com um doente, tratamento», entre outros. Para designar o que chamamos «cura», os romanos diziam sanatio, ou por vezes curatio (de cujo caso oblíquo provém o castelhano curación e o italiano guarigione).

A obra Les mots latins, de F. Martin (Hachette, 1976), não estabelece qualquer relação etimológica entre cūria (p. 53) e cūra, filiando este último vocábulo a curare, procurare, procurator, curiosus, incuriosus e securus (p. 52‑53), mas abstém-se de qualquer comentário específico a este respeito.

Já o linguista francês Antoine Meillet (1866-1936), no seu Dictionnaire Étymologique de la Langue Latine (Tomo I, 4.ª ed., 1959, p. 160), diz que a etimologia de cūria é «incerta», refere o volsco couehriu, que titula de «obscuro», e acrescenta «não ser impossível» que cūria provenha de *ko-wiryā, remetendo o leitor para uir («homem, varão»), que está na origem do nosso termo viril. Acrescenta ainda o erudito francês «não ser de excluir a hipótese de um vocábulo deste género ser emprestado (ao

Pergunta:

Soube recentemente que o fruto da espécie hortense, Capparis spinosa, com o nome comum de alcaparra, é comestível e muito apreciado como condimento a par dos botões florais (alcaparras). Na obrigação de traduzir o mesmo em português, desejaria saber qual o nome dado na nossa língua ao fruto desta espécie que em língua francesa apelidam de câpron.

Agradecimentos antecipados.

Resposta:

Numa resposta anterior do Ciberdúvidas, já antiga (1999), que cita o dicionário da Porto Editora, afirma-se que o termo alcaparra designa não só o botão floral da alcaparreira mas também o seu «fruto baciforme». Esta informação, porém, não é corroborada por uma obra mais recente da mesma editora (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 2001), que não faz qualquer referência ao fruto no respetivo verbete, tal como o Aulete digital e o Priberam.

A utilização do fruto, aliás, parece ser menos frequente que a do botão floral. Por exemplo, na extensa Enciclopédia de Plantas Medicinas das Seleções do Reader’s Digest, da autoria de Andrew Chevalier, cuja edição portuguesa foi publicada em 1998, refere-se que as partes utilizadas da alcaparreira são apenas a «Casca da raiz, casca, botões florais» (p. 180). Já na obra Medicina Popular, Tratamento pelas Plantas Medicinais, composta pelo naturólogo e homeopata João Ribeiro Nunes (Litexa Editora, 1999) se afirma, a respeito da alcaparreira, que «Toda a planta é útil» (p. 44), mas não se faz qualquer referência específica ao fruto...

Na Enciclopédia das Ervas e Plantas Medicinais, da autoria de René Morgan (Hemus, 8.ª edição, 1997), podemos, porém, ler que «As alcaparras são os botões florais ainda não abertos, cujo tamanho varia entre o do grão de pimenta e o de ervilha. O fruto denomina-se taperot em catalão (alcaparrão). Tanto as alcaparras como os frutos são utilizados em saladas e como condimento, dentro de vinagre» (p. 37). Neste sítio brasileiro, também se lê que «alcaparra é a flor, e alcapar...