Gonçalo Neves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Gonçalo Neves
Gonçalo Neves
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Tradutor de espanhol, francês, inglês, italiano e latim; especialista em Interlinguística, com obra publicada (poesia, contos, estudos linguísticos) em três línguas planeadas (ido, esperanto, interlíngua) em várias revistas estrangeiras; foi professor de Espanhol (curso de tradução) e Português para Estrangeiros no Instituto Espanhol de Línguas; trabalhou como lexicógrafo na Texto Editores; licenciado em fitopatologia pela Universidade Técnica de Lisboa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Venho por meio desta tentar sanar algumas dúvidas quanto à melhor forma de aportuguesar os nomes de alguns tipos cerâmicos provenientes da Grécia e Roma antigas. Para muitos, se não todos, é fácil presumir algumas possibilidades, mas eu gostaria de conferir convosco, visto que são habilidosos no assunto e têm acesso a excelentes fontes, a melhor opção.

São eles: kálathos (presumo "cálato"); kálpis (presumo "cálpis" ou "cálpice" como em pyxis, que ficou píxide em português); psyktér (presumo "psítere"); kylix (presumo "cílice" e achei uma fonte com essa forma); rhyton (achei algumas fontes como "ríton", mas gostaria de checar); loutrophoros (presumo "lutróforo"); askos (presumo "asco"); skýphos (presumo "escífo" e achei uma fonte); kérnos; pinakion (presumo "pinácio"; há fontes que preferem traduzir como "prato de peixe" pela recorrência desse tipo de representação nos vasos); cotyla/cotyle (presumo "cótila" ou pelo menos "cotila"); lydion (presumo "lídio" por tratar-se dum vaso da Lídia); bucchero; lebes; chytra/olla; stamnos (presumo "estamno"); pelike (presumo "pélica").

Agradeço de antemão pela ajuda.

Resposta:

Do grego κάλαθος (kálathos) provém a forma latina calathus, usada por Virgílio, a qual daria naturalmente “cálato” em português, forma utilizada, por exemplo, neste artigo da Wikipédia.

O grego κάλπις (kálpis), cuja forma latina não encontro atestada, poderia dar, em português, “cálpis”, a partir do nominativo, ou “cálpide”, a partir da forma oblíqua, mas nunca “cálpice”. Neste artigo da Wikipédia é dada preferência à primeira forma.

O grego ψυκτήρ (psyctér), cuja forma latina não encontro atestada, poderia dar, em português, “psícter”, a partir do nominativo, ou “psíctere”, a partir da forma oblíqua. Não vejo qualquer motivo para se omitir o c na assimilação do vocábulo, como sucede neste artigo da Wikipédia, que faz uso da forma “psítere”.

O grego κύλιξ (kýlix), cuja forma latina não encontro atestada, poderia dar, em português, “cílix”, a partir do nominativo, ou “cílice”, a partir da forma oblíqua. Neste artigo da Wikipédia, é dada preferência à segunda forma. Note-se, porém, que já existe o vocábulo cílice com outra aceção: «natural ou habitante de Cilícia», de acordo com o Grande Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (2004, p. 333), o qual, porém, remete esta forma para a variante ciliciense, e esta para a variante ciliciano, à qual dá preferência. Este termo cílice tem uma origem eti...

Pergunta:

Faz sentido dizer-se «contradição em termos» ou «contradição nos termos»? É expressão portuguesa ou apenas a tradução da expressão inglesa? E não será uma redundância, uma vez que a contradição é sempre entre os termos?

Resposta:

A expressão contradição em termos é tradução literal da expressão latina contradictio in terminis. Uma má tradução, diga-se de passagem, pois nada parece justificara omissão do artigo na versão portuguesa. Em latim, como é sabido, não existem artigos, pelo que qualquer tradutor deverá ter o cuidado redobrado de analisar o contexto e descortinar se o substantivo em questão é determinado ou não. Neste caso, parece-me claramente determinado, pois trata-se de uma contradição inerente aos termos concretos de determinado enunciado, e não a quaisquer outros termos em abstrato.

Entendo, pois, que se justifica plenamente o juízo, explanado aqui, de que a versão contradição nos termos «parece mais conforme à nossa língua». Não creio, porém, ao contrário do que parece sugerir o articulista, que a nossa expressão contradição em termos seja decalque da expressão inglesa contradiction in terms, também ela originária da expressão latina. Estou em crer que nos terá chegado diretamente do latim, embora não esteja em condições de o provar documentalmente de forma cabal.

Outra tradução possível, e quiçá preferível, seria contradição de termos. Neste caso, dada a natureza da preposição de, justifica-se a omissão do artigo.

Quanto à redundância, julgo que esta é apenas aparente. Basta recordar a importância do próprio vocábulo terminus na linguagem filosófica. Por exemplo, Leibniz (1646-1716) definia-o da seguinte forma1: Terminum voco quicquid per se est, seu quod subjectum vel praedicatum alicujus propositionis esse potest («Chamo termo a qualquer coisa que exista por si ...

Pergunta:

Em português europeu, qual é a grafia correta do termo

"Armagedão"/"Armagedom"/"Armagedon"/"Harmaguedon"/"Harmagedon"/"Harmaguédon"?

Muito obrigado pela vossa ajuda!

Resposta:

Recomendo a forma Armagedão e a variante Armagedom, que se encontram bem abonadas.

O termo em questão é o nome de um lugar referido na Bíblia, mais concretamente, no Livro do Apocalipse (16:16), em que, no final dos tempos, os reis da terra inteira, congregados por três espíritos imundos, hão de pelejar na «batalha do grande dia do Deus Todo-Poderoso», a qual tem sido tradicionalmente interpretada como a derradeira refrega entre as forças do bem e do mal, cena que é retratada desta forma numa magnífica versão latina (Apocalypsis Sancti Johannis), publicada na Alemanha por volta de 1470.

O vocábulo figura apenas no referido versículo da Bíblia, que reza assim em grego, ou melhor, em koiné, língua em que foi originalmente escrito o Livro do Apocalipse:

καὶ συνήγαγεν αὐτοὺ ςεἰς τὸν τόπον τὸν καλούμενον Ἑβραϊστὶ Ἁρμαγεδών.

Na Vulgata, este versículo é traduzido da seguinte forma em latim:

Et congregabit illos in locum qui vocatur hebraice Armagedon.

O padre António Pereira de Figueiredo (1725–1797), conhecido latinista, historiador, canonista e teólogo, traduziu pacientemente a Vulgata durante 18 anos. O Novo Testamento foi publicado entre 1778 e 1781 em seis volumes, e o Antigo Testamento, entre 1782 e 1790 em 17 volumes. Em 1821, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira reuniu esta tradução num único volume, embora com numeração distinta para o Antigo e para o Novo ...

Pergunta:

Existe alguma palavra que defina xenofobia, só que contra seu próprio povo? Eu tinha pensado em "demofobia", só que não é bem aquilo que eu estava procurando...

Resposta:

Tem razão o nosso consulente: o vocábulo demofobia, ainda pouco dicionarizado, exprime um conceito mais geral, conforme se depreende da definição que lhe dá o dicionário digital Michaelis: «Aversão, inimizade ao povo.»

Num interessante artigo, intitulado Populismo e demofobia, o jornalista António Guerreiro, a propósito na situação na Grécia, escreve que «Se existe populismo, é lógico que exista o seu contrário, a demofobia, que se traduz, entre outras coisas, numa atitude que minimiza ou lança o descrédito sobre o voto dos cidadãos [...]». Em bom rigor, não se pode considerar que a demofobia exprima uma atitude contrária ao populismo, pois este, como sabemos, redunda frequentemente em prejuízo do povo e em benefício exclusivo do populista, que se aproveita do seguidismo da multidão. O antónimo de demofobia, mais propriamente, é demofilia («amor pelo povo»), um vocábulo pouco usual, tal como o conceito que lhe está associado...

No Grande Dicionário da Porto Editora, estranhamente, falta o vocábulo demofobia, mas figura o substantivo demófobo, corretamente definido como «aquele que é inimigo do povo; antidemocrata» (p. 446).

Considero errónea a definição de demofobia que figura no dicionário Priberam («Aversão a ou fobia de multidões»), tal como a que pode ler no respetivo artigo da Wikipédia («temor obsessivo de multidões»). Na verdade, este vocábulo base...

Da história da palavra <i>burro</i> à expressão «tijolo burro»

Sobre as origens e a história do uso substantivo comum burro, o tradutor e latinista Gonçalo Neves elaborou o estudo aqui apresentado, que começou por ser a resposta à seguinte pergunta do consulente Rogério Monteiro (professor universitário, Senhora da Hora, Porto): «Nunca consegui que me exp...