Lúcia Vaz Pedro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Lúcia Vaz Pedro
Lúcia Vaz Pedro
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Professora de Português e Francês no ensino secundário, na Escola Secundária Inês de Castro (Vila Nova de Gaia). Licenciada em 1992 pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tem mais de trinta livros (escolares, romances e infantis) publicados, entre os quais se contam Português atual, Manual do Bom Português Atual, Língua Portuguesa e Matemática e Camões Conseguiu Escrever Muito para Quem Só Tinha Um Olho, bem como edições escolares do Auto da Barca do Inferno e de Os Lusíadas. Formadora na área de Língua Portuguesa, em centros de formação para professores, em colégios privados, na Universidade Católica, na  Sonae, no Jornal de Notícias, no Porto Canal; e a convite do Instituto Politécnico de Macau, em 2014, deu também formação a professores universitários chineses. Assinou durante alguns anos uma crónica semanal no Jornal de Notícias, intitulada "Português Atual" e uma rubrica diária sobre língua portuguesa no Porto Canal. Elaborou um contributo para o grupo de trabalho parlamentar para avaliação do impacto da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990. Em 2018, foi-lhe atribuída a medalha de mérito cultural pela Câmara Municipal de Gaia. Consultora permanente do Ciberdúvidas, no ano letivo de 2021–22, em regime de destacamento a temo inteiro pelo Ministério da Educação de Portugal.

Vide, ainda:  Autorretrato de uma professora entre o ensino e a escrita

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deve escrever-se «Ordem DOS Advogados» ou «Ordem DE Advogados»? Qual é a diferença?

Obrigado.

Resposta:

A Ordem dos Advogados, assim como a Ordem dos Enfermeiros, a Ordem dos Médicos, entre outras, é uma associação que representa essa classe profissional.

Assim, se verificarmos a definição de ordem dada pelos advogados, obtemos a seguinte informação:  «É uma associação pública, representativa dos profissionais que exercem Advocacia, regida pelo direito público. No exercício dos seus poderes, desempenha as suas funções de forma independente dos órgãos do Estado, sendo livre e autónoma na sua actividade.»

Relativamente aos enfermeiros, a definição é similar: «A Ordem dos Enfermeiros (OE) é a associação pública profissional que congrega todos os profissionais de Enfermagem que trabalham em Portugal.»

A utilização da preposição de contraída com o determinante artigo definido os (dos) identifica, concretiza uma ordem legitimada, em que os profissionais estão inscritos e seguem as premissas e as regras profissionais desse mesmo grupo. 

A expressão 'ordem de advogados' não remete para o mesmo contexto em que se encontra institucionalizada a expressão que diz respeito à vertente profissional. 

 

Ao seu dispor!

Pergunta:

Em engenharia usa-se o verbo estimar um valor, quando este resulta de um cálculo. E diz-se que um valor está subestimado quando se considera que é inferior ao valor real. Então, faz sentido dizer que um valor é uma subestimativa.

Mas "subestimativa" é um termo não dicionarizado. Está correto?

Obrigado.

Resposta:

Efetivamente, palavra subestimativa não aparece em nenhum dicionário consultado, português ou brasileiro, nem tampouco nos dicionários em linha.

Contudo, existe o verbo subestimar (sub + estimar), verbo transitivo direto, com dois significados distintos, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

«1. Não dar o devido apreço ou valor a; não ter em grande conta (ex.: não subestimem a determinação daqueles jovens). = DESDENHAR

2. Fazer um cálculo demasiado baixo (ex.: a empresa subestimou o custo da aquisição dos dados). ≠ SOBREAVALIAR.»

Ora, a palavra em questão – subestimativa – remete para a segunda definição, uma vez que o nome respetivo da primeira é subestimação, relacionado com o ato de subestimar, ponto 1.

Deste modo, resta-nos analisar o valor do prefixo sub- e a existência do nome estimativa.

Assim, relativamente ao prefixo, tem o valor de inferioridade. Quanto ao nome, aparece no dicionário diretamente relacionado com a área que nos referiu e significa «cálculo, cômputo, avaliação».

Seguindo a formação de outras palavras com o mesmo tipo de formação – subentender/ subentendimento/ subentendido – considero aceitável que se utilize a palavra subestimativa, mesmo que ainda não apareça dicionarizada.  

 

Ao seu dispor.

Pergunta:

Tenho assistido nos últimos anos àquilo que parece ser um fenómeno quando se trata da tradução de conteúdos da língua inglesa para a língua portuguesa.

Por exemplo, em português dizemos primeiro um nome e depois colocamos um adjetivo: «bola pequena», «árvore grande», «carro bonito».

Numa das sessões de atualização dos números da pandemia, um dos oradores diz a certa altura da sua apresentação: «(...) perniciosos problemas (...)». Num painel publicitário na rua li a seguinte frase: «infinitas histórias». Estes termos se lidos em inglês fazem sentido, dado que nesta língua prevalece primeiro o adjetivo e depois o termo. Em português, não concordo.

Assim, esta mensagem serve também para colocar-vos uma questão simples: este fenómeno é legítimo, ou seja, é natural fazermos uma tradução grosseira da língua inglesa para a portuguesa sem olhar às nossas regras? Ou será que estou antiquado?

Muito obrigado pela atenção.

Resposta:

A colocação dos adjetivos perniciosos e infinitas antes ou depois dos nomes decorre da noção de o adjetivo assumir um valor objetivo (depois do nome) ou subjetivo (antes do nome), sendo, por isso, ambas corretas. 

Efetivamente, em português, prepondera a ordem direta que corresponde à sequência lógica do enunciado. Assim, o adjetivo, regra geral, deve vir depois do substantivo que qualifica.

No entanto, a nossa língua contempla a ordem inversa, principalmente nas formas afetivas da linguagem, em que a anteposição de um termo é uma forma de realçá-lo1.

Podemos estabelecer que a sequência substantivo + adjetivo possui valor objetivo:

a) Dia escuro

b) Rapariga boa

c) Dia triste

Quando se verifica a sequência adjetivo + substantivo, destaca-se o primeiro, atribuindo-lhe um valor subjetivo.

a) Escuro dia

b) Boa rapariga

c) Triste dia

Existem situações em que o adjetivo surge, regra geral, posposto ao adjetivo:

1. Quando são adjetivos de natureza classificatória, nomeadamente os técnicos e os relacionais:

a) Animal doméstico

b) Água gaseificada

c) Deputado republicano

2. Quando os adjetivos destacam características como a forma, a dimensão, a cor e o estado:

Pergunta:

Pode esclarecer se a expressão «lógica colaborativa» é correta?

Obrigada

Resposta:

Trata-se de uma questão interpretava que remete para determinados contextos como, por exemplo, os da educação, da economia, entre outros.

Esta expressão, que está correta, é oposta à de «lógica competitiva». 

Efetivamente, colaborativo é um adjetivo (colaborar + -tivo) que significa, segundo o dicionário Priberam, «que colabora ou serve para colaborar».

Deste modo, quando se fala em «lógica colaborativa», pressupõe-se que haja uma intenção de colaboração em algo por parte dos intervenientes, na ação em questão. Esta expressão parece estar muito em uso atualmente, no que diz respeito a aspetos relacionados com a sociedade em geral. 

<i>Influencer</i>, influente ou influenciador
Quando saber falar é mesmo importante

O estrangeirismo influencer tem tradução em português. Poderíamos dizer influente ou influenciador. Contudo, o mais importante é alertar os jovens para não se deixarem influenciar por alguém que não sabe falar. Tanto faz que seja um influencer, um influente ou influenciador. O mais importante é que, numa frase, não repita dez vezes «tipo» e, noutra, outras dez, «basicamente». Um apontamento da professora Lúcia Vaz Pedro.