Miguel Faria de Bastos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Faria de Bastos
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Miguel Faria de Bastos  é advogado  (Angola/Portugal),  estudioso de Interlinguística (v.g., Esperanto e Esperantologia).

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tropecei nesta expressão – «ilícito criminal» –, que sempre me habituei a ouvir, mas desta vez olhei para ela com outros olhos.

Nas frases e expressões em que aparece, o termo ilícito aparenta ser um substantivo: «combate ao ilícito criminal»

Resposta:

O termo ilícito está hoje consagrado como substantivo nos círculos e textos jurídicos, tendo começado como adjetivo.

Podemos dizer: «ilícito criminal», «ilícito fiscal», «ilícito aduaneiro», «ilícito administrativo», «ilícito transgressional», «ilícito laboral», «ilícito disciplinar», «ilícito regulamentar», etc., etc. O todo seria, em tempos mais recuados, «caso ilícito» ou «tipo ilícito».

Temos casos análogos, na evolução semântica, mesmo na linguagem corrente. Por exemplo, «a capital» em vez de «a cidade capital», «o visual» em vez de «o aspeto visual», «os históricos» em vez de «os membros históricos» (dum partido, associação, etc.).

Esta substantivação do adjetivo com eliminação do substantivo que complementava é uma variedade da figura retórica designada como metonímia ou sinédoque.

Pergunta:

Estimados Desaduviadores*

Sei qual a diferença entre roubar e furtar e creio que instituições que empregam um português correcto e profissional também o sabem.

Como então se explica que inúmeras páginas dos sites dos bancos vemos informação sobre o que fazer em caso de «cartões roubados»? O Barclays é uma excepção, fala no seu site de «cartões perdidos, furtados, roubados ou falsificados». Na maioria dos casos não se trata de um assalto à mão armada, apenas nos apercebemos que já não temos o cartão quando precisamos dele.

Não seria o caso falarmos em «cartões furtados»?

* Desanuviadores + dúvidas

Resposta:

No Código Penal português, dentro do capítulo dos crimes contra a propriedade, dois artigos estabelecem a diferença penalizando diferentemente cada uma das duas situações.

O artigo 203.º, sob a epígrafe "Furto", dá a definição seguinte, com o regime seguinte:

«1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.»

O artigo 210.º, sob a epígrafe "Roubo", dá a definição seguinte, com o regime seguinte:

«1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma    pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 - A pena é a de prisão de três a quinze anos, se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou

b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.»

Em resumo, no roubo há uma subtração com constrangimento ou violência; no furto a subtração n...

Pergunta:

Qual a diferença entre exoneração e demissão, na perspectiva jurídica?

Resposta:

Ambos os termos são polissémicos e repartidos por plúrimos ramos do Direito: Administrativo, Político, Laboral e Societário.

Demissão:

· Cessação do serviço de funcionário vitalício imposta como sanção criminal ou disciplinar por sentença ou por ato administrativo (Marcelo Cateano, 8.ª ed., 730) – Direito Administrativo;
· Rutura do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador – Direito Laboral;
· Destituição do cargo ou funções exercidas por alguém em determinada sociedade comercial – Direito Societário;
· Ato voluntário de abandono do exercício de funções ou cargos políticos.

Exoneração:

· Perda da qualidade de funcionário por ato praticado e pedido do funcionário (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed, 1980) – Direito Administrativo;
· Abandono da sociedade por vontade unilateral do sócio (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado);
· Ato voluntário do sócio pelo qual se dissocia da empresa, extinguindo a sua qualidade de sócio (Pinto Furtado, Código Comercial Anotado, 1978).
· Destituição de um titular de cargo politico ou Governo por iniciativa de outro órgão soberano (Ministro, Governo, Presidente da República),

Fontes (além das supracitadas):

– Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Ed. Almedina, João Melo Franco, Hélder Antunes Martins

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa, Ed. Verbo

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão «razão de ordem».

A expressão «razão de ordem» apresenta-se isolada, como que se fosse um título. Por exemplo: no livro Tratado de Direito Administrativo Especial, de Paulo Otero, no índice temos:

10. Criação, modificação e extinção das autarquias locais…………………………193

10.1 Razão de ordem……………………………………………………………………………………193

10.2 A situação de facto………………………………………………………………………………196 (…)

A expressão «Razão de ordem» aparece muito em obras jurídicas, quase como equivalente a «Nota introdutória» , normalmente antes de iniciar-se o tema de um determinado capítulo de um livro há uma conjunto de considerações enquadrando o que se vai dizer que se denomina de «razão de ordem». Assim como já referi, a expressão «razão de ordem» não vem acompanhada com mais qualquer palavra, aparece isolada como a denominação de parte de um livro, tal como num livro temos o «Prefácio» (a palavra que encima o texto do prefácio propriamente dito).

Gostaria de confirmar assim o seu real significado.

Resposta:

A expressão «razão de ordem» significa «explicação da ordem ou arrumação sequencial  dos assuntos tratados dentro dum livro, parecer, monografia ou obra quejanda ou dentro dum capítulo ou epígrafe duma obra».

Por natureza, tem sempre  função e localização introdutórias, mas o seu significado não pode ser reduzido a isso. Não é, portanto, sinónimo de «prefácio».

Pergunta:

Por favor, queiram enviar-me o significado em português da expressão em latim "obligatio in solidum" e em que contexto se pode aplicar.

Resposta:

Sendo a obrigação plural, o regime das relações entre os vários devedores e o credor comum (ou os vários credores e devedores) pode ser o da conjunção (é a regra no direito civil) ou o da solidariedade.

O termo “obligatio in solidum” equivale a solidariedade das obrigações, dentro do regime de Direito Civil. Abrange a solidariedade activa e a solidariedade passiva.

Nas obrigações solidárias, a solidariedade diz-se activa, quando a totalidade da prestação pode ser exigida por qualquer credor, ficando o devedor liberado em relação a todos; diz-se passiva, quando qualquer devedor tem de realizar a prestação integral, ficando assim todos os devedores liberados (art. 512. º do Cód. Civil).

Solidariedade activa é a solidariedade entre credores: sendo vários os credores, qualquer deles tem o direito de exigir o cumprimento integral da obrigação ao devedor comum. Efectuada a prestação pelo devedor a qualquer dos credores, a sua obrigação encontra-se extinta em relação a todos eles. «O credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia, na relação interna entre os credores, tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum».

Solidariedade passiva é a solidariedade entre os devedores: sendo vários os obrigados, qualquer deles é responsável perante o credor comum pela satisfação integral da obrigação, ficando, simultaneamente, todos os outros devedores exonerados relativamente ao credor, quando um dos devedores a satisfaça por inteiro. Aquele dos devedores que cumpra a obrigação fica com o direito de regresso em relação aos seus condevedores, isto é, fica com o direito a exigir deles a parte que lhes cabia na obrigação comum.

A solidariedade pode ser dupla, isto é, simultaneamente activa e passiva. <...