Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Estou a fazer um trabalho de Retórica sobre o discurso de Júlio César de Shakespeare e precisava de saber mais sobre as seguintes figuras: aposiopese, cleuasmo, hipotipose, paralipse.

Obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Literários (Massaud Moisés, Editora Cultrix, 2002), entende-se aposiopese como «silêncio súbito, interrupção, reticências»; a referida obra acresenta ainda: «[C]onsiste na suspensão de um pensamento já iniciado, por meio de corte repentino na cadeia sintática. Espécie de anacoluto consciente, a aposiopese assinala o momento em que o escritor interrompe bruscamente a sequência das ideias, 1) ao perceber que vai adiantar raciocínios ou surpresas, 2) quando pretende dar ênfase às palavras, ou 3) quando se dá conta de que vai dizer mais do que deseja. No geral, a aposiopese evidencia-se, graficamente, pelas reticências, mas nem todo sinal suspensivo denota a presença deste recurso estilístico» (exemplo: «Esse homem era… esse homem era… esse homem tinha sido…», Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, 1844, ato II, cena XIV).

Por hipotipose, o mesmo dicionário considera que «ocorre quando, nas descrições, se pintam os fatos de que se fala como se o que se diz estivesse realmente diante dos olhos», juntando o seguinte esclarecimento: «[Trata-se de] uma figura em que concorrem a descrição e a narração no mesmo ato discursivo, guardando cada uma delas as suas características distintivas. Se no quadro pictórico o olhar capta de um só golpe os traços que representam a ação e a descrição, no texto literário, as frases indicativas do movimento narrativo, bem como os pormenores descritivos, podem ser captados na sua identidade própria, integrando o mesmo contexto verbal» (exemplo: «Lesta e loura, vejo-a subindo os patama...

Pergunta:

Qual o significado e qual a família de palavras de peculato?

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), a palavra peculato, que tem a variante peculado (Dicionário Online Michaelis), provém do latim peculātus,us («peculato, furto do dinheiro público») e significa «crime que consiste na subtração ou desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público ou de coisa móvel apreciável, para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda; abuso de confiança pública».

Atendendo à sua raiz latina, pecu- (cf. idem), inclui-se na família de palavras como: peculador, com o significado de «aquele que pratica peculato»peculatário, «relativo a peculato»; peculiar, «referente a pecúlio, que é predicado de algo ou de alguém; próprio»; pecuniário, «relativo a dinheiro, que consiste ou é representado em dinheiro»; pecuária, relacionado com a «atividade que trata de todos os aspetos da criação do gado».

Pergunta:

Sempre aprendi assim, mas agora fico com a dúvida sobre a grafia correcta. Existe ou não diferença na escrita (já que a fonética difere) entre:

«Sabe de cor» – onde cor se lê "cór";

«Amarelo é a minha cor» – onde cor se lê "côr"?

Obrigado.

Resposta:

 As palavras cor, nas duas aceções que o consulente apresenta, classificam-se por homógrafas, tendo estas palavras a mesma grafia, mas pronúncia e significado diferentes.

Segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), a palavra cor na expressão «saber de cor» é um diacronismo antigo que tem origem no latim cor, cordis, e significa «de coração». Em locuções como «saber de cor», entende-se «de cor» como «de memória». Por seu turno, a palavra cor em «amarelo é a minha cor» tem origem no latim color, coloris, com o significado de «cor, tinta, tom».

Tal como o exemplo apresentado, é comum encontrarmos palavras homógrafas em português que podem causar dúvidas em relação à sua grafia, como, por exemplo, «come uma colher de arroz» e «eu vou colher maçãs», pronunciando-se o e de colher como "ê" na segunda frase; ou «eu não me molho» ou «o molho estava bom», correspondendo molho a "mólho" no primeiro exemplo, e "môlho" no segundo.

Pergunta:

O que significa a palavra assassino?

Resposta:

Semanticamente, segundo o Dicionário Houaiss (2001, versão eletrónica), assassino é o «indivíduo que comete homicídio; homicida; indivíduo que extermina (algo), que causa perda ou ruína». De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (J. P. Machado, Livros Horizonte, 1977, p. 333), a palavra assassino deriva do árabe haxāxī, «do haxixe; que usa, bebe, ou fuma haxixe», designação dos membros de uma seita muçulmana que cometiam crimes depois de consumirem uma mistela preparada com haxixe. Este vocábulo tem o seu primeiro registo em língua portuguesa em documentos que remontam ao século XVI, e terá surgido por empréstimo do italiano no século XIII.

Pergunta:

Na expressão, por exemplo, «chapéu de palha», como se classifica, morfológica e sintacticamente, o grupo «de palha»?

Claro que palha também é um substantivo, mas aqui, com o de, está a qualificar o chapéu, a determinar o tipo de chapéu. Não parece que seja atributo nem aposto... de sujeito ou de complemento...

Obrigado.

Resposta:

Na expressão apresentada pelo consulente, o grupo «de palha» é um grupo preposicional que tem a função de modificador nominal referente a matéria.

Os modificadores dos nomes não se resumem aos adjetivos, podendo ser realizados por grupos preposicionais («o homem de bigode») e orações subordinadas adjetivas («o homem que tem bigode») – cf. Dicionário Terminológico, destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensinos básico e secundário em Portugal. Assim, em expressões como «chapéu de palha», verificamos que o grupo preposicional introduz propriedades adicionais ao nome («chapéu») restringindo o seu sentido e dando-lhe maior precisão. É importante ressaltar que, na mesma expressão, se associa à função de modificador do nome (também complemento circunstancial na terminologia tradicional portuguesa) um valor semântico de matéria, ou seja, neste caso, o material de que é feito o chapéu em referência.

Note-se que o termo «modificador do nome», que faz parte do DT, é geralmente equivalente ao termo «complemento circunstancial» (neste caso, de matéria) na terminologia anterior, a da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967. O termo «adjunto adnominal» é usado nos mesmos casos por Celso Cunha e Lindley Cintra, seguindo a terminologia gramatical brasileira, para designar o adjetivo ou o constituinte de valor adjetival («locução adjetiva») com a função de especificar ou delimitar o significado de um substantivo (Nova Gramát...