Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora
11 anglicismos voando pelos aeroportos portugueses (e espanhóis)

Check in e check outDuty free, handling, hub, jet-lag ou stopover são alguns dos 11 termos e expressões em inglês mais recorrentes na terminologia das viagens aéreas, tanto em Portugal como em Espanha, nestes tempos de crescimento exponencial de turistas estrangeiros e dos dois países ibéricos. A verdade é que qualquer desses anglicismos tem equivalência no português e no castelhano.

Pergunta:

Devemos escrever «Aquela pessoa foi forte e jamais se vergou» ou «Aquela pessoa foi forte e jamais vergou»?

Resposta:

Recomenda-se o uso de «Aquela pessoa foi forte e jamais se vergou», embora não seja erro empregar o verbo sem pronome reflexo («aquela pessoa foi forte e jamais vergou»).

O verbo vergar pode ocorrer como transitivo («ele vergou a mola»), intransitivo («ele vergou») e em adjacência pronominal («ele vergou-se») – cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL). No caso em questão, em que o verbo é negado, vergar corresponde a uma mudança de estado, que pode ser física, mas também psicológica, visto ser interpretável metaforicamente, como sinónimo de sujeitar-se e esmorecer (cf. vergar no Dicionário Houaiss). Dado que o sujeito («aquela pessoa...») denota um ser humano, o verbo deve fazer-se acompanhar do pronome reflexo, à semelhança de outros verbos psicológicos como afligir-se, emocionar-se ou preocupar-se ou mesmo como verbos de mudança de estado físico como magoar-se, queimar-se e encharcar-se (excluem-se os verbos acabados em -ecer, como enlouquecer ou envelhecer, que não têm conjugação reflexa; cf. Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1210). Observe-se, no entanto, que os registos dicionarísticos abonam como opcional a ocorrência de vergar com pronome reflexo, mesmo quando referido a pessoas, assim legitimando uso não pronominal: «indeciso, vergou(-se) aos argumentos dos adversários» (Dicionário Houaiss); «Vergou-se à vontade dos pais» (dicionário da ACL).

Pergunta:

Peço desculpa pela pergunta ingénua, mas podem, por favor, confirmar-me se existe a palavra "dispendiosidade"? Devo, ao invés, utilizar o termo "dispêndio"?

Grata pela atenção.

Resposta:

Dispêndio e dispendiosidade são vocábulos que existem na língua portuguesa e pertencem à classe gramatical dos substantivos Estão atestados em diversos dicionários com as seguintes definições:

i) Dispêndio: despesa, gasto, consumo, prejuízo;

ii) Dispendiosidade: particularidade ou característica do que é dispendioso, custo, preço elevado.

Note-se que ambos os substantivos podem não ocorrer como sinónimos. Vejamos exemplos:

iii) «Usar o carro diariamente representa um dispêndio elevado no final do ano», ou seja, utilizar o carro diariamente traz um grande prejuízo financeiro no final do ano;

iv) «Comprar um carro elétrico resolve a dispendiosidade da gasolina», ou seja, a gasolina é um combustível dispendioso, e o carro elétrico surge como uma solução. 

Pergunta:

O que significa um "temperamento saturnino"?

Resposta:

Quando referimos que uma pessoa tem «temperamento saturnino» estamos a dizer que essa pessoa se caracteriza por ser lenta, apática, melancólica e/ou depressiva. 

O adjetivo saturnino pode também significar o mesmo que saturnal, «relativo ao deus ou ao planeta Saturno» e «relativo às festas em honra de Saturno» (Dicionário Houaiss, s. v. saturnal). Entre os Romanos, Saturno era o deus da agricultura, festejado entre 17 e 19 de dezembro, quando se comemoravam as sementeiras e veio a ser identificado com o deus grego Cronos (idem, s.v. saturnais).

Pergunta:

Apesar de toda a consulta no Ciberdúvidas de artigos similares, é-me complexo decidir qual a melhor opção.

«Que ciência nos ensina os livros?»

«Que ciência nos ensinam os livros?»

Pensei que a primeira opção será a mais correcta, mas, algumas horas depois de escrever a frase, tive a clara sensação de que estava errada. Compreendo que a solução simples seria optar por «Os livros ensinam-nos que ciência?», mas esta frase claramente não cumpre os objectivos da primeira no contexto em que será usada (primeira frase de uma sinopse).

Muito obrigado.

Resposta:

No contexto em que se pretende colocar a questão, o correto será: «Que ciência nos ensinam os livros?». Nesta questão o verbo concorda com o sujeito (os livros) que se encontra no plural.

Do ponto de vista estritamente sintático, a  frase «Que ciência nos ensina os livros?» é possível, sendo que estamos a supor que a «ciência ensina os livros»; daí que o verbo surja no singular, a concordar com um outro sujeito: ciência.

No entanto, com base no conhecimento que temos do mundo extralinguístico, o mais provável, ou inevitável, é que sejam os livros a ensinar ciência, e não o contrário.  Daí a primeira interrogativa ser a recomendada.