Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É correcto dizer-se que alguém tem um «grande potencial»? Não deveria dizer-se que tem «grandes potencialidades»?

Obrigado pela resposta!

Resposta:

É correto dizer-se «O João tem grande potencial» e «O João tem grandes potencialidades», pois potencial e potencialidade, nas frases apresentadas, são substantivos sinónimos que se definem como o «conjunto de qualidades; capacidade de realização; capacidade não posta em prática» (Dicionário Houaiss). O mesmo não acontece quando potencial designa algo «relativo a potência; existente apenas como possibilidade ou faculdade, não como realidade» ou quando se «refere ao medicamento que demora algum tempo a fazer efeito» (idem) pois nestes casos ocorre como adjetivo, classe de palavras em que potencialidade não se enquadra. Note-se que potencialidade é um substantivo constituído pelo substantivo potencial + -i- (vogal de ligação) + -dade (sufixo).

Pergunta:

Não localizo nos dicionários a palavra "prototipação", que corresponderia à ação de "prototipar", verbo que, apesar de ser considerado como válido pelo Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, também não encontro nos dicionários.

Os dicionários apresentam "prototipagem" para significar a ação de "prototipar" ou "prototipificar".

A pegunta é: "prototipação" é uma palavra aceita na língua portuguesa, ou somente "protipagem" deve ser usada, e porquê?

Resposta:

Nos dicionários consultados, o único substantivo atestado com o sentido de «criação; fabrico de protótipos» é prototipagem (dicionário da Porto Editora, em linha). No entanto, verificamos que os sufixos -agem (do latim -agine) e -ação (do latim -tione), que se agregam ao radical do verbo prototipar (cf. idem) para formarem estes substantivos, têm o mesmo significado: «ação; resultado de ação» (Dicionário Eletrónico Aurélio). Logo, podemos assumir que prototipação, tal como prototipagem, é um substantivo adequado para descrever «criação; fabrico de protótipos».

Pergunta:

Qual a origem da expressão «homem de mão»?

Resposta:

A expressão em apreço deve ter origem francesa, pois encontra paralelo no francês «homme de main»1, de que parece tradução literal. Com «homem de mão» refere-se um indivíduo que faz algo repreensível ou ilegal ao serviço de alguém que fica na sombra, tal como um fantoche ou uma marioneta é manipulado por um bonecreiro. É o caso do seguinte exemplo, em que se menciona um homem que atua a mando de outrem:

1) «Em El Sicario Room 164, Gianfranco Rosi filma a confissão de um homem de mão dos narcotraficantes mexicanos» (página de tradução francês-português do Proz.com).

Note-se, porém, que a expressão pode marcar no enunciado não uma acusação de crime, mas antes uma atitude de desconfiança ou suspeita em torno dos atores de uma dada situação referida em discurso. É o que acontece por exemplo no título de uma notícia do jornal português Correio da Manhã, datada de 30/11/2004):

2) «Chirac coloca homem de mão nas finanças.»

Em 2, «homem de mão» refere um político cuja conduta pode nem parecer tão repreensível assim, mas sobre o qual recai a ideia de seguir os ditames de outra pessoa.

1Trésor de la Langue Française Informatisé, s. v. homme: «Homme de main. Celui qui est au service d´autrui pour exécuter des tâches généralement répréhensibles ou illégales. Bien dirigé, il peut servir d´homme de main pour toutes les besognes (Sartre, Mains sales, 1948, 1er tabl., 3, p. 29). Tradução livr...

Pergunta:

Qual o significado da palavra morato?

Para além da origem do latim moratus, há indicadores de o termo como adjectivo significar «bem organizado». Tem aceitabilidade?

Resposta:

Aceita-se, efetivamente, o uso do adjetivo morato no sentido de «bem organizado». Este adjetivo, com origem na palavra latina moratus («adaptado ao carácter de uma pessoa»), está dicionarizado com o significado de  «bem organizado; em que se descrevem bem os caracteres» (Figueiredo, C., Dicionário da Língua Portuguesa, Bertrand Editora, 1973). O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa assinala como característica deste adjetivo o seu pouco uso.

Homónimo do vocábulo em questão mas com diferente etimologia é o apelido (ou sobrenome) Morato, ao qual José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) atribui origem italiana – de morato, «moreno, fusco», por sua vez derivado de mora, «amora». A forma Mourato será uma variante surgida por influência de mouro (idem).

Pergunta:

Trata-se não de uma pergunta, mas de um comentário relativo à resposta n.º 16831.

Independentemente de como se escreve em português, harpia NÃO pode ter a sílaba tônica no i (“harpía”), porque vem do grego ἅρπυιαι, que transliterado é Hárpuia, Ou seja, com a tônica na primeira silaba. Essa coisa de chamarem o bicho de “harpía” (e não “hárpia”, como é o correto) vem da subserviência aos documentários de língua inglesa, onde, efetivamente, se deforma a palavra, retirando da primeira sílaba o elemento tônico e transferindo para a segunda, produzindo essa deformidade que é “harpía”(!). Tanto é assim, que, antes desses documentários mal traduzidos, ninguém chamava de “harpía” o nosso gavião de penacho.

Para se conhecer realmente a palavra, o fundamental é ir à raiz da mesma. No caso, o grego.

Então, amigos, não é “harpía”, é hárpia.

Resposta:

Mesmo não se tratando de uma pergunta, o Ciberdúvidas dá o seu parecer relativamente ao comentário feito.

A acentuação da palavra harpia em português, com acento tónico no -i-, deve-se não à palavra grega original, Hárpuia, as, em que a sílaba tónica é hár-, mas, sim, à forma intermédia latina harpyiae, arum, em que a sílaba tónica é py- (cf. Dicionário Gaffiot, em francês). Verifica-se, portanto, que, quando foi adaptada pelo latim, a palavra sofreu alterações a nível da acentuação; na adaptação ao português, as únicas alterações surgiram só no sentido de a simplificar, pois o –yi- (harpyia) passou a –i- (harpia) em português, mantendo assim a acentuação da palavra latina (Cf. Dicionário Houaiss).

Acrescente-se que a forma harpia não pode ser resultado da influência do inglês, porque, nesta língua, a palavra correspondente – harpy – tem acento tónico na primeira sílaba, como acontece em grego antigo.

Por fim, recorde-se o que significa harpia: «1. Monstro alado com rosto de mulher, corpo de abutre, unhas em forma de garra, que personificava as tempestades e a morte. 2. [Figurado]  Pessoa que vive de extorsões. 3. Mulher ávida e má. 4. [Zoologia]  Espécie de águia da América.» harpia, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013 [consultado em 9-10-2014].