DÚVIDAS

Concordância negativa: «se não queres que ninguém saiba»
Bem haja o Ciberdúvidas, e bem hajam os seus colaboradores pelo importante veículo que são em prol do correto uso da nossa língua. Muito agradeço o vosso esclarecimento sobre o seguinte: Atentas as expressões, frequentes: A. «Se não queres que ninguém saiba, não o faças nem o digas.» B. «Se queres que ninguém saiba, não o faças nem o digas.» Que as duas expressões são convergentes, acho que sim, que são. Mas serão ambas corretas ou só uma em prejuízo da outra? E no último caso, qual delas? A resposta poderá ser a sacramental (que penso ser a A.), mas a dúvida subsiste. Agradeço o vosso douto comentário.
Concordância: adjetivos + nomes coordenados
Tenho uma questão quanto à qual a gramática tradicional é um tanto quanto esquiva, então gostaria de seus pareceres. Se trata de campo semântico de adjetivos em sintagmas nominais com mais de um substantivo. Considerando-se que a GT [gramática tradicional] diz que um único adjetivo caracteriza mais de um substantivo (pelo menos enquanto o sentido do adjetivo os cobrir) e que isso ocorre conforme a disposição de termos no sintagma — inclusive em todos os casos de concordância atrativa — (o que é minha maior dúvida se de fato o é), me interesso em saber como contornar interpretações equívocas nestes casos, mormente casos em que a concordância atrativa é obrigatória, por ex., quando adjetivo(s) anteposto(s) (funcionando de adjunto adnominal) aos nomes: «Comprei manuais e gramáticas velhos/velhas.» (penso que caracterize ambos independentemente da ausência de determinantes e da concordância estabelecida, tanto é que se objetivasse a caracterização de somente um nome contornaria assim: «Comprei manuais velhos e gramáticas.» / «Comprei gramáticas velhas e manuais.» Nestes casos, a concordância se faz obrigatoriamente com o mais próximo, pois logicamente só há o mais próximo para concordar. Por conseguinte, quanto a isso também gostaria de saber que acham.) «Comprei velhos manuais e gramáticas.» (nota-se que o sentido do enunciado, provocado pelo deslocamento do adjetivo, mudou. Aqui começa a complicar em meu entender, pois o adjetivo pode, conforme sua carga semântica, caracterizar ambos. E fico em dúvida se efetivamente ocorre, a ausência de determinantes teria alguma implicação diferente na interpretação? Suponho que não... «Comprei os manuais e as velhas gramáticas.» (Por mais que a concordância seja atrativa, não por intuição possibilidade de caracterização semântica de ambos.) Para não ir à exaustão com exemplos, para com casos de adjuntos adnominais, paro por aqui. Ao predicativo do objeto agora: Minha questão com este é mais sobre como contornar a interpretação de que ambos os substantivos são modificados. Para tal recorrendo a pontuação, penso conseguir fazê-lo. No entanto, como estou estudando pontuação ainda (sou um exímio "pontuador"); não sei se satisfaço plenamente a questão, portanto a vocês recorro. «Comprei velhas as gramáticas; e os manuais» (não necessariamente velhos). (E as gramáticas enquanto velhas, não necessariamente estão velhas no momento da enunciação.) Aguardo suas reflexões ansiosamente. Obrigado pela atenção.
Concordância com quantificadores: «maioria de», «metade de»
Exponho abaixo o que considero saber com certeza sobre a constituição do grupo nominal (com alguns exemplos) para depois expor as situações que me geram dúvida. Um grupo nominal... 1. tem por núcleo um nome ou um pronome n: Lisboa pron: ele 2. ao nome podem estar associados um ou mais determinantes det art def + det poss + n: «o meu carro» det demonstr + n: «este carro» 3. ao pronome pode estar associado um determinante artigo det art def + pron poss: «o teu» 4. tanto ao nome como ao pronome pode estar associado um quantificador quant univ + det art def + n: «todos os carros» quant univ + pron: «todos eles» 5. ao nome podem ainda estar associados o complemento do nome e/ou modificadores do nome (restritivo ou apositivo) [det art def + n + [prep + det art def + n] ]: [o carro [da Maria] ] [det art def + n + [adj] ]: [o carro [azul] ] Nos exemplos deste último ponto, o grupo nominal inclui um grupo preposicional e um grupo adjetival, respetivamente, os quais assumem as funções de complemento e modificador, respetivamente. No entanto, há várias grupos nominais que me deixam em dúvida sobre como encarar a sua constituição, todos eles incluindo quantificadores que são expressões partitivas. Por exemplo: «alguns dos carros»/«a metade dos carros». Em ambos os exemplos, a análise que faço da estrutura é [quant [prep + det art def + n] ], o que me levou a concluir (com muita certeza de ser a conclusão errada) que o quantificador pode constituir o núcleo de um grupo nominal sendo seguido por um grupo preposicional. Na sequência da minha confusão, palmilhei todas as perguntas na categoria de quantificadores, e selecionei duas explicações que indico abaixo e que me parecem particularmente relevantes mas que me deixam ainda perplexa. – excerto de explicação 1. Numa resposta do Ciberdúvidas sobre a concordância do verbo com expressões partitivas é mencionado um extrato da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pp. 942/943), que inclui o excerto abaixo: «Admite-se que é o nome nuclear de um sintagma nominal que desencadeia a concordância verbal. Assim, [no exemplo] acima, a concordância singular corresponde a uma estrutura em que o núcleo sintático do sintagma nominal complexo é o numeral, ao passo que a concordância plural corresponde a uma estrutura em que o núcleo do sintagma nominal é o nome que denota o domínio da quantificação.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 12-02-2023) – excerto de explicação 2. Na resposta à questão "Percentagem + adjetivo: «31% maior", pode ler-se: «Relativamente aos quantificadores numerais percentuais, recorde-se que estes podem incidir sobre um nome, como acontece em (1): (1) "Dez por cento dos alunos leram este livro." Não obstante, estes quantificadores também podem incidir sobre um adjetivo, como se verifica em (2)1: (2) "Os livros ficaram dez por cento mais caros." Assim sendo, podemos concluir que os quantificadores numerais têm a possibilidade de incidir sobre um adjetivo.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 12-02-2023) – A estrutura dos exemplos com quantificadores numerais percentuais parece-me em tudo idêntica à dos meus exemplos, mas não me é claro o que a expressão «incidir sobre» significa para a análise dos constituintes do sintagma. A ideia de que «Assim, [no exemplo] acima, a concordância singular corresponde a uma estrutura em que o núcleo sintático do sintagma nominal complexo é o numeral», expressa no excerto 1, parece reforçar a minha conclusão inicial de que o quantificador pode, em expressões partitivas, ser núcleo do sintagma nominal, mas tal ideia continua a soar-me herética. Acrescento em nota de rodapé que há vários anos que leciono acima de tudo línguas estrangeiras e que as raras vezes que trabalhei a língua portuguesa foi com alunos do 2.º ciclo. Eu tenho a noção de que estas questões podem ser consideradas avançadas, mas parece-me contraprodutivo não ter uma resposta para dar aos alunos (poucos, é certo, mas não irrelevantes) que demonstram interesse e querem saber mais. Não ter uma resposta para dar a esses alunos é especialmente desmotivante quando começam a ganhar confiança na sua capacidade de não só identificar classes de palavras, mas também de as agrupar em grupos hierárquicos e atribuir-lhes funções, pois esses poucos tentam depois por sua própria iniciativa aventurar-se mais à frente, em busca tanto de desafios como de validação dos seus conhecimentos e capacidades. A este nível não precisam de memorizar já os nomes dos diferentes tipos de complementos e modificadores, mas sabendo que cada grupo frásico tem uma função sintática, podem facilmente deduzir que aquele grupo preposicional à frente do quantificador há de ser um qualquer complemento ou modificador anónimo aninhado dentro do grupo nominal do sujeito. Infelizmente, eu não sei o que lhes dizer.
A expressão tal qual: «ela é tal qual os pais»
Quando observo a explicação dada para provas de concurso em português do Brasil sobre a expressão tal qual, em que tal concordará com a palavra anterior e a qual com a palavra seguinte, assola-me a dúvida de que tal seja correto em português europeu. Por isso, a minha questão é a seguinte: as frases «A Rita é tal qual os pais» e «A Mariana e o Francisco são tais quais os pais» estão corretas?
Concordância: «Quanta luz é o suficiente para...»
Num artigo deparei-me com a seguinte sequência: «Quanta luz é o suficiente para...» Tendo em conta que luz é nome feminino, não deveria existir uma concordância entre esse nome e a expressão «o suficiente»? Sei que «o suficiente» é uma expressão adverbial, contudo sendo o verbo ser selecionador de predicativo do sujeito, pergunto se é possível manter a estrutura da expressão adverbial. Obrigada.
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