DÚVIDAS

A classe gramatical de que em «Poluída que estava, a praia foi interditada»

Na oração «Poluída que estava, a praia foi interditada», qual seria a classe gramatical da palavra que?

Resposta

1 – A respeito da estrutura da frase em questão, assinalo que a articulação de «poluída que estava» com «a praia foi interditada» indica que, nesta oração, o estado de coisas referido é consequência da situação descrita pela primeira. Aceito, por isso, que «poluída que estava» é uma estrutura oracional que tem subentendido um valor de intensidade («(tão) poluída que estava») que permite interpretar «a praia foi interditada» como oração consecutiva.1

Refira-se que Joaquim Fonseca, num estudo sobre as orações consecutivas, menciona duas estruturas muito semelhantes àquela em discussão ("Pragmática e sintaxe-semântica das consecutivas", Revista da Faculdade de Letras, XI, Porto, 1994, págs. 47-50):

1. «De tão preguiçoso (que é), o Zé chega sempre atrasado às aulas.»

2. «Trabalhador como era, o Zé não parava um segundo.»

Em 1, saliente-se a possibilidade de omitir o que (não o classifico ainda) e o verbo; em 2, o que é substituído pela conjunção como.

Ora, estes exemplos levam-me a considerar que as formas mais adequadas da frase apresentada pelo consulente são:

3. «De tão poluída que estava, a praia foi interditada.»

4. «Poluída como estava, a praia foi interditada.» 

A frase 3 mantém estreita afinidade semântica com as frases 5 e 6, a seguir:

5. «A praia estava de tal maneira poluída, que foi interditada.»

6. «A praia, tão poluída que estava, foi interditada.»

Em 5, o que é uma conjunção subordinativa consecutiva. Mas, na estrutura da frase 6, salienta-se a particularidade de estar intercalada uma frase exclamativa parcial, «tão poluída que estava», com função de aposto, podendo ser parafraseada por uma oração adjectiva apositiva (ou explicativa):

7. «A praia, que estava tão poluída, foi interditada.»

Note-se que as ocorrências da forma que em 6 e 7 não correspondem à mesma palavra: em 6, temos o que tradicionalmente se chama uma expressão expletiva ou de realce (Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 597/598)2 em 7, que é um pronome relativo.

 

2 – Neste contexto, direi que a palavra que é uma expressão expletiva em 3. Quanto a 4, a palavra como deve classificar-se como conjunção subordinativa comparativa.

1 A estrutura «poluída que estava» é semelhante a certas orações concessivas de intensidade (ver Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, pág. 497):

«[...] empregando que, dá-se preferência à inversão de termos, passando a iniciar a oração concessiva a expressão que funciona como predicativo, ou complemento do verbo: Os rapazes, pobres que sejam, merecem a nossa consideração. [...]»

No entanto, a sequência em discussão apresenta o verbo no indicativo, enquanto no exemplo de Bechara o conjuntivo é o modo seleccionado na oração concessiva «pobres que sejam» (ver também Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporânea, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1995, pág. 601/602).

2  Numa terminologia mais recente, trata-se de um complementador (ver M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa Editorial Caminho, 2003, pág. 484).

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