A citação apresentada pela consulente pertence ao Sermão de Santo António, de Padre António Vieira.
Neste excerto, o autor faz uso de uma enumeração, através da qual apresenta os bens nos quais os homens do Maranhão não gastam o seu dinheiro (preferindo endividar-se comprando os retalhos de pano que vestem). A enumeração consiste na apresentação de um inventário de coisas relacionadas entre si1. Neste caso, o autor enumera todos os bens nos quais os homens poderiam gastar o seu dinheiro, para, por contraste, mostrar como o dinheiro é desperdiçado nos panos que por vaidade compram.
Não se trata de uma gradação, uma vez que este recurso expressivo, que é um tipo específico de enumeração, se caracteriza por apresentar uma série de elementos numa ordem ascendente ou descente, o que neste caso não se verifica2. Podemos assinalar um uso de gradação no mesmo texto de Padre António Vieira, quando, no capítulo 5, se faz a descrição do polvo:
(1) «[…] um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!»
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1. Cf. E-dicionário de Termos Literários, coordenado por Carlos Ceia, verbete enumeração.
2. Cf. noção de gradação em E-dicionário de Termos Literários, coordenado por Carlos Ceia, verbete gradação. Não me parece clara a existência de gradação nesta frase, porque o autor não apresenta uma enumeração orientada para o clímax (ou anticlímax). Ou seja, desde «os coches» até a «as jóias», não creio que se construa uma enumeração crescente, no âmbito semântico do luxo. Na forma como concebo o mundo, no campo semântico do luxo, os coches não constituem o início de uma gradação, e as joias o seu aspeto mais intenso. Até porque um coche pode ser bem mais dispendioso do que uma baixela ou uma joia. Mesmo dentro de cada núcleo (meios de transporte < criados < objetos de valor) me parece difícil assinalar uma gradação (neste caso, teríamos três gradações), porque não vejo uma enumeração ascendente entre coche e cavalo, ou entre tapeçarias e jóias. Creio que se pode considerar uma gradação descente entre «escudeiro» e «lacaio», mas como este processo retórico não é comum aos outros grupos não me parece que seja pertinente. Neste excerto, vejo, sim, a mobilização de um outro artefacto retórico de que Padre António Vieira também faz frequentemente uso: a amplificação, que consiste no desenvolvimento de uma ideia, destacando cada uma dos elementos enumerados como uma forma de aumentar/vincar/destacar e, logo, provar a ideia apresentada (cf. "Amplificação", E-Dicionário de Termos Literários ).